quarta-feira, 29 de outubro de 2014




A TEOLOGIA PRAGMÁTICA DE CHARLES FINNEY E A S CONSEQUÊNCIAS PARA O EVANGELHO

 SILAS PORTELA CARVALHO



INTRODUÇÃO


O termo Pragmatismo traz a noção de que o significado ou o valor considerado é determinado por conseqüências práticas. De outra forma, significa a crença de que se algo funciona ou dá resultados, então deve ser apoiado e aceito.

O Pragmatismo segundo (MACARTHUR Jr., 2004) tem sua origem na filosofia de William James que deu nome e molde à nova filosofia e publicou uma coleção de preleções intitulada Pragmatismo: uma nova nomenclatura para algumas velhas formas de pensar, e ainda tem suas raízes no Darwinismo e no Humanismo secular. Trata-se de uma postura filosófica inerentemente relativista, isto é, rejeita qualquer noção de absolutos – certo e errado, bem e mal, verdade e erro. Em última análise, o Pragmatismo define a verdade como aquilo que é útil, significativo e benéfico. As idéias que não parecem úteis ou relevantes são rejeitadas como sendo falsas.

Segundo Francis Schaeffer citado por Augustus Nicodemus Lopes, o pragmatismo é um sistema de pensamento que faz das conseqüências práticas de uma crença o critério supremo da sua verdade. Portanto, a verdade é caracterizada por aquilo que funciona.

Até esse ponto não há nada de errado com essa nova filosofia, pois em muitas áreas de nossas vidas, o pragmatismo é essencial, por exemplo, como descreve (MACARTHUR Jr., 2004): uma torneira que vazava constantemente volta a funcionar após ter sido substituída. Portanto, aquilo que não funcionava como deveria teve que ser trocado por algo que realmente funcione. Este é o pragmatismo em movimento.

O problema do Pragmatismo com respeito ao Evangelho é que, se ao utilizá-lo para formular juízos acerca do certo e errado e baseá-lo como o norteador da vida, da Teologia, de missões, do ministério, ele irá, cedo ou tarde, colidir frontalmente com a Bíblia, como conclui (MACARTHUR Jr., 2004). Na verdade aquilo que o Pragmatismo mais valoriza são as técnicas, os métodos, aquilo que pode gerar resultados, então a conclusão é a de que, se algum principio ou verdade do Evangelho não está gerando um resultado rápido, será substituído.

As escrituras não têm como base aquilo que funciona ou não funciona, mas sempre aquilo que é necessário para o ser humano e muitas vezes aquilo que é necessário não tem resultado rápido, prático ou esperado.

No entanto, a realidade da Igreja atual encontra-se totalmente desvirtuada do Evangelho de Cristo, e baseada no pragmatismo filosófico humanista. Hoje, ela está obcecada pelos resultados independentemente dos métodos que são empregados. E nesses dias a pergunta que mais se ouve nas igrejas não é se aquilo que faço está de acordo com a Bíblia, mas se realmente funciona.

É neste contexto que se insere o pensamento de Charles Finney, um avivalista do século XIX que introduziu na Igreja Protestante doutrinas contestáveis e a idéia de que o importante é o resultado; o quê resulta em certo tem a aprovação de Deus. Essa nova maneira de pensar dentro do Cristianismo trouxe uma séria alteração na noção da cristandade, gerando sérias conseqüências para as novas gerações.

A TEOLOGIA PRAGMÁTICA DE CHARLES FINNEY


Charles Finney nasceu em 29 de agosto de 1792, em Warren, Litchfield Count, Connecticut, mas viveu grande parte de sua infância no condado de Oneida, no Estado de Nova York. Não foi criado segundo os princípios cristãos, pois seus pais não conheciam o Evangelho e nem professavam outras religiões, e FINNEY cresceu sem qualquer conhecimento da doutrina cristã.

Não tinha Charles nenhuma recordação de qualquer pregação ou testemunho do Evangelho, em sua infância, na comunidade onde cresceu algo que era coisa rara e incomum daquele século; mas sempre havia aqueles que se atreviam a pregar. Os pregadores eram homens simples, tidos como ignorantes e objetos de piadas pela população da sua pequena cidade.

A religião de que FINNEY se lembrava era uma religião que não lhe chamava a atenção. Em sua biografia, ele descreveu um pregador de quem recordava em sua juventude:

 

Para dar uma ligeira idéia da suas pregações, permitam-me dizer que os seus sermões manuscritos dariam apenas para meter numa pequena Bíblia. Assentava-me na galeria e dali observava que ele punha sempre os seus manuscritos no meio da Bíblia, pondo seus dedos espalhados pelos muitos sítios onde teria de ir buscar muitos dos textos que ele necessitava na sua pregação. Por essa razão, necessitava de suas duas mãos para segurar a sua Bíblia, coisa que não lhe permitiam fazer qualquer uso de gesticulação requerida para o efeito. Conforme ia avançando, ia libertando os seus dedos um a um na medida em que ia lendo os devidos textos que teria para fazer uso. Assim que todos os seus dedos estivessem soltos e livres, o sermão terminava. A leitura que fazia dos seus sermões, nada tinha de convincente, apenas de simples monotonia. Mesmo que as pessoas atendessem aos muitos cultos, fiel e reverentemente, confesso que para mim nunca serviram para nada. (FINNEY, 1980)

 

 

É possível perceber que, desde a juventude de FINNEY, o pragmatismo rondava-lhe a percepção do mundo. A mensagem que ele ouviu do pastor foi recebida como um insípido discurso de doutrina, fazendo com que concluísse que qualquer um poderia julgar que aquele tipo de pregação não faria efeito ou não traria interesse a um jovem como ele que não conhecia e nem se importava com a religião. Portanto, algo para FINNEY estava errado nas pregações que ouvira na época e era preciso uma reformulação, uma nova metodologia para pregação do Evangelho, uma metodologia que tivesse efeitos práticos.

Em sua juventude, resolveu estudar Direito e buscou conhecimento em Adams, Nova York; foi lá que Charles se envolveu ativamente em uma igreja local. Tratava-se de uma igreja presbiteriana, e seu pastor, interessando-se por suas idéias, o visitava em seu escritório para conversar sobre matérias espirituais.

O jovem estudante pesquisava direito elementar e as referências bíblicas em seus livros começaram a lhe chamar a atenção. Foi este fato que despertou uma grande curiosidade de estudar a Bíblia. O estudo das escrituras e as pregações de George W. Gale, seu pastor, levou FINNEY a novamente concluir que as mensagens não traziam a edificação.

Nesta altura de sua vida, Charles Finney já demonstrava certo repúdio pelo Calvinismo, base doutrinária da igreja presbiteriana, e em suas conversas com o jovem pastor Gale, Charles o interrogava e pressionava com perguntas a respeito das questões centrais de sua doutrina. O alvo principal de suas indagações era o arrependimento. Dizia FINNEY: “O que é o arrependimento? Seria um mero sentimento de pesar pelo pecado? Ou trata-se totalmente de um estado mental passivo, ou inclui um elemento voluntário? Envolve-se uma mudança na maneira de pensar, que tipo de mudança é esta?” (FINNEY, 1980).

Em suas memórias, FINNEY declarou que não podia aceitar a concepção em matéria de expiação, regeneração, fé, arrependimento, escravidão da vontade, ou qualquer uma das doutrinas que Gale acreditava. Ele rejeitou totalmente a doutrina bíblica, e, talvez, muito da ignorância sobre a sua vida, a sua teologia e a sua larga aceitação no meio evangélico sejam fruto da visão distorcida relatada por seus biógrafos. Ao invés de esclarecer quem era na verdade esse homem e o que ele cria, eles valorizaram sua paixão pelos resultados e seu aparente sucesso nas cruzadas evangelísticas, e menosprezaram a questão de maior importância, a sua questionável teologia.

O prefácio da edição brasileira de sua teologia sistemática descreve FINNEY como o mais importante teólogo do Cristianismo, comparando-o a Tomás de Aquino. Diz que, se este construiu uma catedral, Charles Finney consagrou “um templo cujo lugar santo, descerrado já o véu, conduz-nos ao coração do eterno”. (FINNEY, 2004)

Um dos seus biógrafos, Orlando Boyer, descreve, nos termos que se seguem, a crença de Charles Finney:

 

De manhã cedo, fui para o gabinete... Parecia que uma voz me perguntava: “– Por que esperas?– Não prometeste dar o coração a Deus?– O que experimentas fazer?– alcançar a justificação pelas obras?” Foi então que vi, claramente, como qualquer vez depois, a realidade e a plenitude da propiciação de Cristo. Vi que sua obra era completa e, em vez de eu necessitar duma justiça própria para Deus me aceitar, tinha de sujeitar-me à justiça de Deus por intermédio de Cristo...(BOYER, 1999)

 

Pela sua doutrina, revelada em sua teologia sistemática, ele não cria na propiciação de Cristo, sua obra completa, e a necessidade de se sujeitar à justiça de Deus por intermédio de Cristo. Assim, a teologia finneyana ia delineando sua forma, e longe de serem inexpressivas e desestimulantes, as pregações do jovem Gale surtiam efeito, mas não no sentido que ele pregava.

 

CHARLES FINNEY – VIDA, CONVERSÃO E OBRA

A conversão de Charles Finney é um caso peculiar. Tomado por uma forte convicção em seu coração e mente, dirigiu-se para a floresta e lá fez a seguinte promessa: “Entregarei meu coração a Deus ou morrerei tentando.” (FINNEY, 1847). FINNEY nunca compreendeu a conversão como uma obra exclusiva de Deus; cria ele de que se tratava da sua própria vontade o fator determinante da sua salvação. Confessou que tinha assentado em seu coração resolver o problema da salvação de sua alma e assim ter paz com Deus, ignorando que o problema de sua salvação já tinha sido resolvido por Cristo e a paz com Deus viria somente pela justificação pela fé,  por meio somente de Cristo, como relata Paulo em Romanos 5. 1.

E, no meio da floresta, Charles veio a ter a sua hora de encontro com Deus, e após esse encontro místico, um sentimento de paz inundou-lhe a alma, fazendo-o temer e se perguntar se havia entristecido o Espírito Santo, pois aquela convicção de pecados havia desaparecido.

BOYER assim relatou este episódio:

 

Na estrada, voltando para a aldeia, certifiquei-me da preciosa paz e da gloriosa calma na minha mente. “– Que é isso?”– perguntei-me a mim mesmo. “– Entristecera eu o Espírito Santo até retirar-se de mim?” Então lembrei-me de que dissera a Deus que confiaria na sua Palavra... (BOYER, 1999)

 

No entanto, o impacto maior em sua conversão aconteceu, mais tarde, naquele mesmo dia, em seu escritório. Sobre aquela experiência relatou Charles Finney:

 

O Espírito Santo desceu sobre mim de maneira que parecia perpassar-me, corpo e alma... Parecia vir em ondas e mais ondas de amor líquido... Parecia o próprio sopro de Deus... Não há palavras que exprimam o maravilhoso amor que foi derramado em meu coração. Chorei alto, de alegria e amor; e não tenho certeza, mas eu diria que saíam aos borbotões as emoções inexprimíveis de meu coração... (OSWALD SMITH, 1980)

 

Após a experiência, FINNEY tornou-se o precursor de uma nova doutrina que surgiria alguns anos depois. Ele denominou aquela visitação como “um poderoso batismo do Espírito Santo”, e a base de seu ensinamento sobre uma segunda benção, após a conversão, veio dessa experiência. Depois desse revestimento de poder que FINNEY teria recebido em suas memórias atacou novamente aquele que foi seu mentor:

 

Havia outro defeito na educação administrada pelo irmão Gale, que considerei fundamental. Se já fora convertido, deixara de receber aquela unção divina do Espírito Santo que o tornaria um elemento poderoso no púlpito e na sociedade, para a conversão de almas. Não tinha chegado a receber o batismo no Espírito Santo, que é indispensável para o sucesso no ministério... (Lima, 2008)

 

Novamente é possível perceber o pragmatismo fortemente arraigado na vida de FINNEY, ao ponto de excluir toda fórmula ministerial de seus dias. Segundo o seu entendimento, a forma como o evangelismo era executado não produzia o efeito necessário para um resultado almejado, por isso aquela fórmula estava defasada e precisava de uma nova metodologia, isto é, os pregadores precisavam de um revestimento de poder, o batismo com Espírito Santo, que viria pela segunda benção após a conversão.

Mesmo após sua experiência espiritual, FINNEY se atormentava e sofria com as suas dúvidas, mas trazia a certeza de que Deus o havia chamado para defender, não mais a causas humanas, mas a causa d’Ele, e foi neste momento que o Pelagianismo e o Pragmatismo se revelaram de uma forma surpreendente em sua vida e ministério.

O PRAGMATISMO NA PREGAÇÃO

 
Antes de sua conversão, FINNEY não teve nenhuma influência cristã; o resultado foi a sua ignorância com respeito à Bíblia e à Teologia, e um dos seus principais erros foi decidir seguir o ministério após a conversão sem ter nenhum preparo.

Os seus estudos de Direito lhe deram uma boa idéia sobre lógica, por isto, em seus debates teológicos, saía sempre vitorioso, mas não por causa de seus conhecimentos bíblicos, e sim por causa de seu raciocínio lógico. A base de toda a sua teologia não foi extraída das escrituras, mas dos seus estudos jurídicos; os assuntos principais do Evangelho como as noções de justiça, culpa, transgressão, perdão, responsabilidade, soberania e uma série de outros assuntos, advinham de outra fonte, desvirtuada das fontes da verdade pregada até seus dias.

FINNEY abandonou a teologia bíblica da evangelização que dependia exclusivamente da obra interior do Espírito Santo, na conversão do pecador, e, em suas pregações, inovou declarando que o homem era o próprio responsável pela sua conversão, isto é, a decisão não dependia do trabalho do Espírito Santo, trazendo uma confirmação de um novo nascimento, mas somente do homem.

Com seu discurso inovador e eloqüente, arrebatava multidões, e onde ministrava, as evidências imediatas e exteriores do avivamento perseguiam sua caminhada. Ele assistia ao resultado rápido e estrondoso dessa nova metodologia, entendendo-o como a aprovação divina, e isto lhe dava a segurança de que tinha redescoberto a teologia bíblica do evangelismo.

Enquanto a sua reputação se espalhava por todo o país, Charles defendia de forma convincente as suas novas doutrinas e desafiava, com arrogância e atrevimento, as doutrinas convencionais. Não se limitava a lugares e espaços reduzidos, buscava lugares amplos, onde se reuniam grupos para ouví-lo, impactados com suas pregações empolgantes.

 

Ali estava um jovem pregador, com apenas dois anos de ministério e quatro anos de conversão, sem qualquer tradição a apoiá-lo e nenhuma experiência de pregação, exceto como missionário do interior, tomando, de repente, as igrejas de assalto. Ele era naturalmente extravagante em suas afirmações, arrogante e ríspido em suas colocações, dependendo mais do atormentar os sentimentos das pessoas do que comovê-las com um terno apelo. (WARFIELD, 1932)

CHARLES FINNEY E O CONTEXTO HISTÓRICO


Para se entender de maneira mais aprofundada o pragmatismo teológico de Charles Finney é necessário considerar uma tendência religiosa própria do século XIX, o chamado Hipercalvinismo. Nas palavras de Kenneth G. Talbot e W. Gary Crampton, em artigo, o termo é assim definido:

 

O hipercalvinismo, como o nome indica, é uma perversão do calvinismo. Ele vai além (hiper) do que o calvinismo ensina. Ele enfatiza a soberania de Deus na eleição em detrimento da responsabilidade do homem. Em sua tentativa de exaltar a honra e glória de Deus, o hipercalvinismo enfatiza tanto a eleição e a graça irresistível que acaba eliminando essencialmente a necessidade de evangelizar. A vontade secreta de Deus é tão acentuada, que a vontade revelada é desenfatizada. O resultado é uma visão truncada do calvinismo. (KENNETH; CRAMPTON, 1999)

 

De uma outra maneira, esse ensino pregava que o convite do Evangelho era apenas para aqueles que Deus escolheu, e, por conclusão, o Evangelho não deveria ser pregado indiscriminadamente a todos, pois a salvação só pertencia aos eleitos; de uma forma ou de outra, isto é, com evangelismo ou sem evangelismo, Deus os alcançaria e os salvaria.

Por esta exasperada compreensão do Calvinismo, muitas igrejas se desviavam do Calvinismo autêntico e se aprofundavam no ensino do chamado hipercalvinismo. O resultado foi um afrouxamento da disciplina das igrejas com respeito às missões, o que causou indignação a FINNEY, que via em suas doutrinas a solução para os equívocos cometidos.

 

Descobri que em todos os lugares, as peculiaridades do hiper-Calvinismo têm sido uma grande pedra de tropeço tanto para a igreja quanto para o mundo. Uma natureza pecaminosa em si, a total inabilidade de aceitar a Cristo e de obedecer a Deus, a condenação à morte eterna pelo pecado de Adão, e por uma natureza pecaminosa, e todos os dogmas relacionados e resultantes dessa tradição peculiar, têm sido pedras de tropeço para crentes e a ruína para pecadores. (WARFIELD, 1932)

                                                                                                                                                    

No entanto, ao invés de separar o falso do verdadeiro, a atitude de FINNEY foi a de repudiar o calvinismo juntamente com o hipercalvinismo. Ele lutou contra o extremo do Calvinismo com outro extremo, chamado Pelagianismo.

Mas, na verdade, Charles Finney não rejeitava a doutrina do pastor Gale, nem o hipercalvinismo, ele rejeitava as doutrinas centrais do Evangelho. Se tivesse estudado os Cânones de Dort, um documento dos reformados holandeses contra o crescente Arminianismo na Holanda, ele não teria dúvidas sobre o que o Calvinismo cria e  pregava. Assim está escrito na seção II artigo 5 do Cânones de Dort:

 

Além disso, é promessa do evangelho que todo aquele que crer no Cristo crucificado não perecerá, mas terá a vida eterna. Esta promessa, juntamente com o mandamento de arrepender-se e crer, deve ser anunciada e declarada sem diferenciação ou discriminação a todas as nações e povos, a quem Deus em seu bom propósito enviar o evangelho. (CÂNONES DE DORT, 1986)

 

O verdadeiro Calvinismo não é de forma alguma fatalista, isto é, as escolhas e decisões humanas não fazem nenhuma diferença, mas totalmente consciente de sua responsabilidade de pregar o Evangelho a toda criatura indiscriminadamente.

Há uma certa dúvida se o pastor Gale era hipercalvinista, pois em sua autobiografia FINNEY disse nunca esperar ou sequer almejar a conversão de alguma pessoa, através dos sermões que o ouviu pregar (MACARTHUR Jr., 2004). Segundo FINNEY, ele parecia ser hipercalvinista, e mesmo que outros o reconhecessem como um ortodoxo, sua pregação em nada impactava FINNEY.

Com respeito à depravação humana e à soberania divina na qual o pastor Gale cria, declarou que eram incompatíveis com o evangelismo e concluiu:

 

O fato é que a educação do irmão Gaule para o ministério tinha sido totalmente defeituosa. Ele tinha absorvido um conjunto de opiniões, ambos teológicos e práticas, que eram uma camisa de força para ele. Ele poderia realizar muito pouco ou nada se levasse a cabo seus próprios princípios. Eu usufruía de sua biblioteca, e explorava-a totalmente sobre todas as questões de teologia que surgiam para exame; e quanto mais eu examinava os livros, mais eu ficava insatisfeito. (FINNEY, 1980)

 

A visão de FINNEY direcionava-se para algo que funcionasse algo que produzisse resultados rápidos, e segundo suas próprias palavras, a metodologia que Gale usava, juntamente com sua teologia, estavam sendo o empecilho para alcançar os pecadores ou para os pecadores alcançarem a Deus. Segundo FINNEY, essas duas premissas, partindo sempre da vontade livre do homem, eram corretas.

Realmente a indignação de Finney tinha fundamento, com respeito ao modo da Igreja evangelizar, mas o caminho por ele seguido foi o do pragmatismo religioso, que alterou a postura evangelizadora da Igreja, e que, a despeito de seu sucesso como pregador, ao final de sua vida e de sua obra, trouxe-lhe a frustração de não ter obtido o êxito que acreditava alcançar.

REFLEXÕES TEOLÓGICAS


Segundo (SPURGEON, 1996), a antiga verdade que Calvino, Agostinho e o apóstolo Paulo pregaram é aquela que, inclusive hoje, deve ser pregada; do contrário deixaria de ser fiel aos preceitos protestantes. Mas com as idéias deste grande pregador não comungava Charles Finney, para quem o Calvinismo não atingia o seu alvo, pois os seus pressupostos não estavam de acordo com sua própria lógica de justiça, lógica esta que não tinha por base os ensinos das escrituras, mas sim os parâmetros legais norte-americano do século XIX.

Por falta de treinamento teológico, FINNEY acabava por revelar seu equívoco com respeito à história do pensamento cristão, principalmente por não saber diferenciar o calvinismo do hipercalvinismo. Apenas colocou seu pragmatismo em ação quando rejeitou aquilo que achava que não funcionava para o evangelismo e consequentemente para a conversão do homem.

Há um registro curioso na ordenação de FINNEY. Nas Igrejas Presbiterianas havia o costume dos presbíteros e pastores, em um momento solene, jurar lealdade à Bíblia, à Palavra de Deus, e ao seu símbolo de Fé, a chamada Confissão de Westminster. Diante daquele presbitério, Charles Finney jurou lealdade à confissão de Westminster, sem nunca ter lido nenhuma passagem daquele documento reformado.

 

Inesperadamente eles me perguntaram se eu recebia a Confissão de Fé da Igreja Presbiteriana. Eu não a tinha examinado. Ela é uma grande obra contendo os Catecismos e a Confissão Presbiteriana. Isto não tinha feito parte de meu estudo. Eu repliquei que a recebia pela substância da doutrina, tanto quanto eu a entendia. Mas eu falei de uma maneira que claramente implicava, eu acho que eu não fingia conhecer muito sobre ela. Contudo, eu respondi honestamente, como eu entendia naquela época. (, JOHNSON, 1998)

 

As palavras de FINNEY comprovam seu despreparo para ser ordenado para o Ministério, e acabam por ser a sua confissão de culpa, por ter enganado o Concílio para poder obter a liberdade de pregar. Quando finalmente conheceu o conteúdo daquele documento, percebeu que os seus principais pontos contradiziam-se com muito das suas crenças, e passou a repudiar a Confissão de Fé de Westminster. Em sua Teologia sistemática (FINNEY, 2004), acusou os elaboradores da Confissão de criarem um periódico papal e submeter a sua confissão e o seu catecismo ao trono do papa no lugar do Espírito Santo.

Após o seu curto tempo como evangelista, frustrado com os resultados das campanhas de avivamento, Charles Finney passou a se preocupar em responder a todas as questões que não estavam de acordo com sua teologia pelagiana; dizia que onde quer que descubra qualquer pessoa que comungasse desses dogmas, não hesitaria em demoli-los. De forma bastante arrogante afirmava que era capaz.

Considerava os pastores presbiterianos ingênuos, ignorantes e inúteis, e rejeitou todos os ensinos dos reformadores e puritanos. Desta rejeição deu-se o nascimento da Teologia sistemática moralista de Charles Finney.

            No entanto, rejeitando o Calvinismo, rejeitava o cerne da teologia bíblica protestante; e ignorava o fato de que muito dos avivamentos e movimentos de evangelismo radical tinha origem no pensamento de calvinistas convictos. Diante dessa verdade, assim escreveu Charles Spurgeon:

Portanto, não estou pregando aqui nenhuma novidade; nenhuma doutrina nova. Gosto imensamente de proclamar essas antigas e vigorosas doutrinas, que são conhecidas pelo cognome de calvinismo, mas que, por certo e verdadeiramente, são a verdade de Deus, a qual nos foi revelada em Jesus Cristo. Por meio dessa verdade da eleição, faço uma peregrinação ao passado, e, enquanto prossigo, contemplo pai após pai da Igreja, confessor após confessor, mártir após mártir levantarem-se e virem apertar minha mão. Se eu fosse um defensor do pelagianismo, ou acreditasse na doutrina do livre-arbítrio humano, então eu teria de prosseguir sozinho por séculos e mais séculos em minha peregrinação ao passado. Aqui e acolá, algum herege, de caráter não muito honrado, talvez se levantasse e me chamasse de irmão. Entretanto, aceitando como aceito essas realidades espirituais como os padrões de minha fé, contemplam a pátria dos antigos crentes povoada por numerosíssimos irmãos; posso contemplar multidões que confessam as mesmas verdades que defendo multidões que reconhecem que essa é a religião da própria Igreja de Deus.(SPURGEON, 1996).

 

O PECADO ORIGINAL


Dentre as idéias que abandonou, Charles Finney rejeitou a doutrina da natureza pecaminosa herdada de Adão, por achar que Deus não seria justo ao culpar e condenar pessoas que pecassem por terem uma natureza herdada injustamente. As suas palavras eram ecos de um ensino há muito pregado por Pelágio e repelido por Agostinho. Segundo Pelágio:

 

Adão foi criado mortal e teria morrido, quer tivesse pecado, quer não; o pecado de Adão contaminou só a ele mesmo e não a raça humana; as crianças recém-nascidas estão naquele estado em que estava Adão antes da queda; toda a raça humana não morre por causa da morte de Adão, nem ressuscita pela ressurreição de Cristo; a lei, tanto quanto o evangelho, conduzem ao reino dos céus; mesmo antes da vinda de Cristo houvera homens sem pecado. (FERREIRA; MYATT, 2007)

 

Com sua doutrina a favor da razão humana e em detrimento das escrituras, FINNEY trouxe à tona a mesma teologia rejeitada pelo Concílio de Cartago, em 418 d.C., pelo Concílio de Éfeso, em 430 d.C., e pelo Concílio de Orange em 529 d.C.

FINNEY afirmava que o pecado consistia na escolha de se quebrar a lei moral (FINNEY, 2004) A conclusão é a de que o homem não nasce pecador, mas se torna pecador quando transgride a lei moral. Este raciocínio confronta com o ensino das escrituras em Romanos 5.18-19:

 

Portanto, assim como um só pecado condenou todos os seres humanos, assim também um só ato de salvação liberta todos e lhes dá vida. E assim como muitos seres humanos se tornaram pecadores por causa da desobediência de um só homem, assim também muitos serão aceitos por Deus por causa da obediência de um só homem. (NTLH, 2000)

 

Comentando a passagem, Wayne Grudem afirma que, quando Adão pecou, todos que em Adão estavam pecaram por ser ele o representante de toda a humanidade. Mesmo que não existíssemos fisicamente, Deus imputou a todos os homens a mesma conseqüência que sofreu Adão. (GRUDEN, 1999). Portanto o homem herda de Adão, seu pai, a natureza caída, filho da ira por nascimento e não por uma decisão posterior ou qualquer obra feita por ele contra Deus. O ser pecador estava na essência e não na conseqüência de seus atos pecaminosos.

Mas FINNEY ensinava que o homem não era herdeiro da natureza pecaminosa de Adão, e que não tinha apenas a habilidade natural de fazer escolhas, mas também a habilidade de fazer escolhas apropriadas, isto é, o homem detinha o poder de decidir se aceitava ou rejeitava a salvação, baseado somente em sua conduta. Justificava-se afirmando que Deus não imputaria os pecados das pessoas a Cristo e a justiça de Cristo aos que crêem, e denominou essa doutrina bíblica de ficção teológica (MACHARTHUR JR, 2004).

 

Se, por um lado, Finney admitiu que o pecado de Adão tivesse influência negativa sobre aqueles que nasceram após ele, negou que esta influência tenha sido a de uma natureza pecaminosa herdada. Ele rejeitou a doutrina do pecado original, afirmando que essa era “um dogma sem lógica e fundamento bíblico”, e ao negar a idéia de que os homens possuem uma natureza pecaminosa, ele acreditava que por meio de uma pregação persuasiva os homens seriam capazes de escolher se desejavam ser corruptos por natureza ou redimidos. (FERREIRA; MYATT, 2007).

 

FINNEY desconsiderava totalmente o trabalho do Espírito Santo, na conversão do pecador, e chegou à conclusão de que se fosse persuasivo e colocasse todos os meios disponíveis para atingir o convencimento, os homens escolheriam, através da razão e da lógica, qual seria a decisão certa a tomar, isto é, se desejariam ser corruptos por natureza ou redimidos. A única coisa que impediria o pecador de escolher o caminho de Cristo era a sua vontade e seu livre arbítrio.

Segundo Rick Nelson, cada método utilizado por FINNEY foi avaliado na base de sua eficácia em "romper" a vontade obstinada dos pecadores (NELSON, [s.d).

Em Um lobo em pele de ovelha (Johnson, 1998) afirma que Charles Finney insistia na afirmação de que todos os homens e mulheres têm uma capacidade natural para obedecer a Deus. Para ele, os pecados resultam de escolhas erradas, não de uma natureza herdada. Portanto, os pecadores podem livremente reformar seus próprios corações, e eles próprios assim o farão, se são realmente futuros redimidos. No fim, tudo dependeria do pregador usar as técnicas adequadas, com o objetivo de alcançar seu propósito.

REGENERAÇÃO


A conseqüência imediata de se rejeitar a doutrina do pecado original é a idéia de que a regeneração não seja um milagre, uma transformação sobrenatural, operada pelo Espírito Santo. Antes, é a decisão do próprio pecador se voltar para Deus e obedecê-lo.

Mas, por que haveria uma transformação se não há nada para ser transformado? Se não há uma natureza pecaminosa que torna o homem escravo do pecado, por que ele precisaria de um novo nascimento?

De acordo com (HORTON, 1997), FINNEY acreditava que o homem já possui, por natureza, toda a habilidade necessária para prestar perfeita obediência a Deus, portanto o objetivo do ministro é emocionar as pessoas até que se disponham à obediência divina.

Para FINNEY:

 

Regeneração é o termo usado por alguns teólogos para expressar a agência divina na mudança do coração. Para eles, a regeneração não inclui nem implica a atividade do indivíduo, antes o exclui [...] sustentam que uma mudança de coração é primeiro

efetivada pelo Espírito Santo enquanto o indivíduo é passivo; tal mudança forma uma base para o exercício, pelo individuo, de arrependimento, fé e amor. (FINNEY, 2004)

 

É possível notar a inconformidade e o desprezo de FINNEY pela doutrina da regeneração, segundo o Calvinismo. Os teólogos a que se refere são Agostinho, Aquino, Lutero, Calvino, Spurgeon, Wesley e tantos outros que criam e pregavam o dogma da depravação moral constitutiva, isto é, o pecado original. Em conclusão define a sua teologia com respeito a regeneração:

 

Vimos que o indivíduo é ativo na regeneração, que a regeneração consiste em o pecador mudar a sua escolha, intenção, preferência última; ou em mudar de egoísmo para o amor ou benevolência; ou em outras palavras, em voltar-se da suprema escolha da gratificação própria para o supremo amor a Deus equivalente ao seu próximo. É claro que o objeto da regeneração deve ser o agente na obra. (FINNEY, 2004)

 

FINNEY acreditava que o homem é o agente da regeneração. Com respeito a esta concepção teológica, (SPROL, 1997) escreveu que homem algum, em seu estado de morte espiritual, tem poder para ressuscitar a si mesmo.

Para o teólogo, o Espírito Santo deveria agir manifestando um poder igual ou ainda maior que o poder manifestado na criação do universo. Por isso a regeneração precede a fé, isto é, quando o pecador morto ouve o chamado eficaz do Espírito para crer em Cristo. Portanto, o pecador através da graça divina recebe a vida unicamente pela obra do Espírito, para que a honra seja dada somente a Deus e a ninguém mais.

 

A vontade não regeneradora opõe-se cheia de inimizade contra a graça, quando lhe é apresentada pela palavra de Deus. Desse modo os homens resistem ao Espírito, pois resistem à pregação da graça. Se tão somente a graça for apresentada à vontade, os homens sempre lhe resistirão. A inimizade em seus corações prevalecerá contra a pregação. Mas a obra de regeneração é interior, transformadora da essência da nossa natureza. A pregação dessa obra de regeneração não está dirigida a vontade, e não pode, portanto, sofrer a sua oposição, mas opera eficazmente nela, renovando-a maravilhosamente.

No primeiro ato da conversão a vontade não quer nem deseja ser a primeira a agir para ser regeneradora. Ao contrário, ela antes é renovada pela regeneração para só então desejar ou escolher. A vontade jaz passiva é inerte até que seja despertado pelo Espirito santo na regeneração. Ocorre uma secreta operação de poder onipotente e interior que produz ou opera em nós o desejo de sermos convertidos a Deus. Tal operação age em nossa vontade de tal maneira que nós, livres e alegremente, desejamos aquilo que Deus quer que desejemos e escolhamos que é fazer a sua vontade. (FERREIRA, MYATT, 2007).

UMA CONSIDERAÇÃO IMPORTANTE
 

Um engano tem sido perpetuado com respeito ao que FINNEY acreditava. A idéia comumente aceita é a de que ele era um Arminiano. Um pastor pentecostal, em seu site, afirmou que Charles Finney foi ordenado em uma igreja presbiteriana, e após romper com o Calvinismo, aceitou o Arminianismo, embora alguns o identifiquem como seguidor de Pelágio (AGUIAR, 2008) Mas as suas doutrinas provam que ele não era Arminiano, mas sim um seguidor de Pelágio. Portanto, a ignorância sobre Finney e sua teologia chega a tal ponto que duas casas publicadoras evangélicas, recomendam com todas as grandezas de um grande teólogo, aquilo que tem que ser repensado no seio da igreja.

Assim a (CASA PUBLICADORA DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS) apresenta, em seu site, a Teologia sistemática de Charles Finney:

 

Charles Finney foi o maior evangelista desde os tempos apostólicos. Suas convicções teológicas nasceram no fogo do avivamento e foram formadas por uma consciência moldada pelo estudo do Direito e comprometida com a plena autoridade da Bíblia. Por tudo isso, a Igreja de hoje deve estudar suas posições sobre o governo moral de Deus, a natureza do homem, arrependimento, soberania, atributos do amor, entre outros. (CPAD)

 

A nota de abertura da editora Vida, apresentado a obra de Garth Rosell e Richard Dupuis, As memórias originais de Charles Finney (VIDA, ANO), assim o descreve:

 

Charles Grandison Finney (1792-1875) foi um dos maiores evangelistas da América do Norte. Até hoje o testemunho de sua vida, pensamentos, lutas, realizações, amor incondicional a Deus e compromisso permanente com o Evangelho de Cristo é fonte poderosa de inspiração e exemplo para os cristãos. (VIDA)

 

Porém há uma diferença abismal entre o Arminianismo clássico e o Pelagianismo. JACOBUS ARMINIUS foi bem enfático em sua rejeição ao Pelagianismo.

 

A respeito da graça e do livre-arbítrio, o ensino conforme as escrituras e o consentimento ortodoxo: o livre-arbítrio não tem a capacidade de fazer ou aperfeiçoar qualquer bem espiritual genuíno sem a graça. Para que não se diga que eu, assim como Pelágio, cometo uma falácia em relação à palavra “graça”, esclareço que com ela me refiro à graça de Cristo necessária para a iluminação da mente, para o devido controle das emoções e para a inclinação da vontade ao que é bom. É a graça que [...] força a vontade a colocar em prática boas idéias e os bons desejos. Essa graça [...] antecede, acompanha e segue; ela nos desperta, assiste, opera para que queiramos o bem, coopera para que não o queiramos em vão. Ela afasta as tentações, ajuda e oferece socorro em meio às tentações, sustenta o homem contra a carne, o mundo e Satanás, e nessa grande luta concede ao homem satisfação e vitória [...]. A graça é principio da salvação; é o que promove, aperfeiçoa e consuma. Confesso que a mente [...] do homem natural e carnal é obscura e escura, que suas afeições são corruptas e imoderadas, que sua vontade é obstinada e desobediente e que o próprio homem está morto em pecados. (FERREIRA: MYATT, 2007)

 

Diferentemente de Pelágio, Arminio cria que o homem estava morto no pecado, não tinha capacidade moral e nenhuma liberdade para escolher nada, pois sua vontade era escrava.

Segundo (R.C SPROL, 2001), a estrutura arminiana original é a crença de que a graça é uma condição necessária para a salvação, mas não uma condição suficiente para a mesma salvação. A graça capacita o homem para submeter-se a Cristo.  Apesar de Arminio crer que o homem coopera com o Espírito Santo na obra da salvação, ele nunca negou o pecado original e o estado de ruína herdado pelo homem, por isto FINNEY rompeu radicalmente com a tradição calvinista, e também com a arminiana, construindo outra doutrina, que em nada se assemelha aos ensinos de Arminio, mas baseia-se na doutrina de Pelágio.

Agostinho foi um feroz inimigo desta doutrina e durante toda a sua vida a atacou. Segundo Agostinho, a diferença entre o semi-pelagianismo, isto é, Arminianismo, e o Pelagianismo, é que o último era herético e o primeiro estava errado. Ele tinha os Arminianos como irmãos em Cristo, mas entendia que seguiam um erro teológico, enquanto os pelagianos eram heréticos e não dignos de sua atenção.

Como escreveu AMES, citado por Ferreira & Myatt, o arminianismo não é corretamente uma heresia, mas um erro perigoso na fé, que tende à heresia, e para a heresia pelagiana, porque nega que a operação efetiva da graça interna é necessária para efetuar a salvação. (FERREIRA; MYATT, 2007)

FINNEY rejeitou o Calvinismo e foi além dos limites da ortodoxia, abraçando o Pelagianismo. Portanto nada há de Arminianismo em sua doutrina, como muitos crêem, e a este respeito HORTON assim concluiu:

 

Deste modo, na teologia de Finney, Deus não é soberano, o homem não é pecador por natureza, a expiação realmente não é um pagamento pelo pecado, a justificação por meio da imputação é um insulto à razão e à moralidade, o novo nascimento é apenas o resultado da utilização de técnicas bem-sucedidas, e o avivamento é o resultado natural de campanhas inteligentes. [...] O avivalista não apenas abandonou o princípio fundamental da Reforma (a justificação), tornando-se um rebelde contra o cristianismo evangélico, como também rejeitou as doutrinas que têm sido acreditadas por católicos e protestantes (tais como o pecado original e a expiação vicária). Por isso, Finney não é simplesmente um arminiano, mas um pelagiano. Ele não é apenas um inimigo do protestantismo evangélico, mas também do cristianismo histórico, no mais abrangente sentido da palavra. (HORTON, 1995).

a expiação SEGUNDO a teologiA DE fINNEY


A partir da biografia de Charles Finney é possível perceber a fragilidade de sua teologia; FINNEY confessou que não havia lido nada sobre a expiação e o que havia encontrado sobre esse assunto, interpretou segundo os pressupostos legais. Ele cria que a morte de Cristo na cruz como expiação pelo pecado do homem, não tinha poder espiritual algum sobre o pecador, a não ser o de constrangê-lo. Portanto a cruz não teve outro fim a não ser servir de exemplo didático para o pecador.

Segundo (HORTON, 1995), FINNEY cria que, se Adão nos leva ao pecado, e isto ocorre não porque herdamos a sua culpa ou corrupção, e sim porque seguimos o seu exemplo, tal idéia nos conduz a pensar logicamente que Cristo, o segundo Adão, nos salva por meio de seu exemplo.

No entanto, nada do que pregou sobre a expiação era novo ou próprio dele, apenas repetia as palavras de pelo menos três teorias, que por fim ecoavam a voz de Pelágio sobre a expiação, unindo todas elas em um só ensinamento.

 

TEORIA DA INFLUÊNCIA MORAL

 

Desenvolvida inicialmente por Pedro Aberlado, esta teoria não recebeu muito apoio até ser popularizada por Horace Bushnell (1802-1876), nos Estados Unidos, e por Hastings Rashdall, na Grã-bretanha. Sustenta que Deus não exige o pagamento de um castigo pelo pecado, mas que a morte de Cristo era simplesmente um modo pelo qual Deus mostrou o quanto amava os seres humanos ao identificar-se, até a morte, com os sofrimentos deles. A morte de Cristo, então, torna-se um grande exemplo didático que mostra o amor de Deus por nós (TEOLOGIA CALVINISTA, 2007).

 

TEORIA SOCIANA

 

Ensinada pelos seguidores de Fausto Socino (1539-1604), tem seus melhores representantes nos unitaristas. A teoria rejeita qualquer idéia de uma satisfação vicária e diz que a morte de Cristo simplesmente nos provê de exemplo de como devemos confiar e obedecer a Deus, mesmo que essa confiança e obediência levem a uma morte horrível, apoiando-se em 1Pe 2:21. (TEOLOGIA CALVINISTA, 2007)

 

TEORIA GOVERNAMENTAL

 

Ensinada pela primeira vez por Hugo Grotius (1583-1645), a teoria sustenta que Deus não tinha realmente de exigir castigo pelo pecado, e uma vez que é onipotente, poderia deixar de lado essa exigência e simplesmente perdoar os pecados sem o pagamento de uma pena. Grotius viu a morte de Cristo apenas como um substituto da pena. O que Deus fez por meio da morte de Cristo foi demonstrar aquilo que a justiça de Deus exigira do homem caso continuasse pecando. Por causa da morte de Cristo, Deus tem condições de perdoar pecados sem romper a fibra moral do universo (TEOLOGIA CALVINISTA, 2007).

 

Todas essas teorias vão de encontro com a verdade do Evangelho de Jesus Cristo. FINNEY rejeitou a visão calvinista, entendendo que a expiação, por si mesma, não assegura a salvação de qualquer pessoa, não é um pagamento pelo pecado e também não era um fundamento para a justificação (FERREIRA: MYATT, 2007).

Assim SPROL descreve a visão bíblica e também calvinista da salvação:

 

Expiar é fazer emendas, é acertar as coisas; tanto o Antigo quanto o Novo Testamento deixam bem claro que todos os seres humanos são pecadores. Como nossos pecados são contra um Deus santo e infinito, que não pode nem mesmo olhar para o pecado, a expiação deve ser feita a fim de podermos ter comunhão com Deus [...] Não temos nenhuma oferta suficientemente valiosa, nenhuma obra suficientemente justa para fazer expiação por nossos próprios pecados. Somos devedores que não tem como pagar sua divida [...] Ao receber a ira de Deus na cruz, Cristo pode fazer expiação por seu povo. Ele carregou, ou recebeu sobre si o castigo pelos pecados da humanidade. Jesus fez expiação por eles aceitando o justo castigo devido por seus pecados [...] Na cruz, Jesus não somente tomou essa maldição sobre si, mas tornou-se "ele próprio maldição em nosso lugar" (Gl 3.13). Tomando a maldição de Deus sobre si, Jesus satisfez as exigências da santa justiça (1 Ts 1.10) [...] Jesus não morreu por si mesmo, mas por nós. Seu sofrimento foi vicário; ele foi o nosso substituto. Ele tomou nosso lugar assumindo o papel do Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. (SPROL, 1999)

 

Charles Finney não admitia a idéia de que a morte expiatória de Cristo fosse substitutiva e se exasperava com o ensinamento de que Jesus se ofereceu como uma satisfação penal a Deus. Em outras palavras, a idéia de um justo substituindo pecadores e pagando seus delitos a Deus, para FINNEY, não fazia sentido.

De acordo com Phillip R. Johnson, por excluir o pecador da imputação da justiça de Cristo, esta concepção automaticamente requer que os pecadores obtenham uma justiça de si próprios e quando abraçou tal concepção da expiação, FINNEY não teve nenhuma escolha a não ser adotar uma teologia que magnífica a capacidade humana e minimiza o papel de Deus na mudança do coração humano (JOHNSON, 1998).

FINNEY não cria que a expiação assegurava, garantia ou era à base da salvação do pecador. Na verdade, em FINNEY, a morte de Cristo não era garantia para nada, nem para o pagamento da dívida do pecador e muito menos para justificá-lo diante de Deus. Como escreveu Franklin Ferreira e Alan Myatt, esta teoria pressupõe que não foi Deus que se separou dos homens, mas são os homens que se afastaram de Deus (FERREIRA; MYATT, 2007)

Em suma, a visão finneyana cria que a morte de Cristo não foi um sacrifício (Hb 9:26), uma propiciação (1Jo 4:10), uma substituição (IS 53:5,6,12; 1Pe 2:24), uma reconciliação (2Co 5:18-19), e nem uma redenção (1Jo 5:19; Cl 1:13; Hb 2:15). A morte de Cristo, para FINNEY, não foi necessária para que Deus pudesse perdoar nossos pecados, servindo apenas para persuadir os pecadores a se arrependerem. Para ele, Deus está disposto a receber todos os homens independentes da cruz; ela não é necessária, pois Deus não necessita de satisfação. (FERREIRA; MYATT, 2007)

a justificação pela fé


O estudo da teologia finneyana revela a sua rejeição de alguns dos princípios calvinistas; uma das maiores delas é a da Justificação pela graça mediante a Fé.

 

Justificação é um ato instantâneo e legal da parte de Deus pelo qual Ele considera os nossos pecados perdoados e a justiça de Cristo como pertencente a nós e declara-nos justos à vista d’Ele. (GRUDEM, 1999)

 

FINNEY rejeitou a idéia de que a justiça de Cristo seria a única base para a justificação do pecador, colocando sobre o próprio pecador toda a responsabilidade de corrigir os erros e assim ser aceito por Deus. Entendia a morte de Cristo não como um pagamento pelos pecados, mas como um exemplo a ser seguido.

Em artigo, assim Phillip R. Johnson define o termo Justificação:

Os Protestantes têm historicamente insistido que justificação é uma declaração puramente forense, dando ao pecador penitente uma imediata posição de justiça diante de Deus sobre os méritos da justiça de Cristo, não a sua própria (cf. Rm 10.3; Fp 3.9). Por forense nós entendemos que ela é uma declaração legal, como um veredicto do tribunal ou um pronunciamento de casamento (“Eu vos declaro marido e mulher”). Ela muda o status externo da pessoa em lugar de simular alguma espécie de mudança interna, ela é uma realidade completamente objetiva. (JOHNSON, 1998)

 

Deste modo, a declaração de Justificação não seria uma mudança interna no pecador. Não seria uma obra subjetiva, como a santificação, mas apenas a mudança exterior de pecador para santo, de escravo para livre, de condenado para justificado, de maldito para bendito, de bastardo para filho.

Outro equívoco sobre a teologia de FINNEY é a sua aproximação da doutrina de João Wesley, este sim um típico arminiano, ou como outros designam um semicalvinista. Realmente, a teologia de João Wesley apresenta-se de forma eclética, difícil de ser qualificada. WESLEY não escreveu uma obra de teologia sistemática, mas as suas pregações publicadas revelam o âmago de sua teologia. Pregou sobre a total corrupção da natureza humana, sobre o pecado original e sobre a escravidão da vontade.

É importante distinguir a linha teológica de WESLEY da linha teológica de FINNEY; por isto, a seguir, os principais pontos da doutrina de João Wesley serão ordenados para serem contrastados com a teologia finneyana.

Com respeito ao livre arbítrio, assim pregou WESLEY:

 

Creio que Adão, antes da sua queda, era totalmente livre para escolher o bem ou o mal, mas que, desde a sua queda, nenhum filho dos homens tem poder natural para escolher qualquer coisa que seja realmente boa. (WESLEY, 1995)

 

Sobre o pecado original, João Wesley respondeu da seguinte forma:

 

Pergunta n°15: em que sentido é o pecado de Adão imputado a toda a humanidade?

Resposta: em Adão todos morrem isto é: 1) Nosso corpo tornou-se então mortal. 2) Nossa alma morreu, isto é, separou-se de Deus, e daí 3) todos nós nascemos com uma natureza pecadora e diabólica. Por esta razão 4) somos filhos da ira, sujeitos à morte eterna ( Rom. 5:18; Ef. 2:3). (WESLEY, 1995)

 

WESLEY também pregou sobre a justiça de Cristo imputada ao pecador:

 

Em que sentido se imputa esta justiça aos crentes? Nisto: todos os crentes são perdoados e aceitos, não por causa de qualquer coisa existente neles ou por qualquer coisa que fizeram, fazem ou farão, mas total e somente pelo que Cristo fez e sofreu por eles. Repito: não por causa de qualquer coisa deles ou feita por eles, por sua própria retidão ou obras: "Não por obras de justiça que tenhamos realizado, mas pela sua misericórdia Ele nos salvou". "Sois salvos pela graça mediante a fé; não pelas obras para que ninguém se glorie", mas total e somente pelo que Cristo fez e sofreu por nós. Somos "justificados gratuitamente pela sua graça através da redenção que é em Cristo Jesus"(WESLEY, 1995)

 

Sobre a salvação, coloca em ênfase a soberana graça de Deus e a responsabilidade do homem, a chamada graça previniente, questão também rejeitada por FINNEY.

 

A salvação começa com o que é usualmente chamado de maneira muito adequada de graça previniente, incluindo o primeiro desejo de agradar a Deus, a primeira aurora de luz referente à sua vontade e a primeira convicção leve e passageira de ter pecado contra Ele [...] Por que meios então expiará um pecador mesmo os seus menores pecados? Por suas próprias obras? Não. Fossem elas tantas e tão santas, não são suas, mas de Deus [...] Se então os pecadores encontram favor de Deus é "por graça sobre graça!" Se Deus ainda condescende em derramar bênçãos sobre nós, sendo a salvação a maior delas, que podemos dizer a respeito dessas coisas senão: "Graças a Deus por seu dom indizível!" Assim é. Deste modo "Deus ordena seu amor para conosco em que sendo nós ainda pecadores, Cristo morreu" para salvar-nos. "Sois salvos pela graça através da fé." A graça é a fonte e a fé a condição da salvação. (WESLEY, 1995)

 

É possível perceber que Charles Finney confundiu a questão da Justificação e da Santificação, colocando a última como a condição para o pecador ser justificado. Mas João Wesley colocou, biblicamente, a função de cada um destes termos.

 

"Somos salvos pela fé", consistindo isto de dois grandes ramos - a justificação e a santificação. Pela justificação somos salvos da culpa do pecado e restaurados ao favor de Deus; pela santificação somos salvos do poder e da raiz do pecado e restaura-nos à imagem de Deus. [...] Creio que a justificação seja inteiramente distinta da santificação e necessariamente a antecede. [...] Igualmente, diz serem a nossa própria santidade e as nossas boas obras a causa da nossa justificação ou que por causa delas somos justificados perante Deus. Não creio que seja parte alguma da causa da nossa justificação, mas que a morte e a justiça de Cristo sejam a causa total e única da mesma, ou que por causa delas somos justificados perante Deus. (WESLEY, 1995)

 

João Wesley, fiel às tradições evangelistas, delegava ao poder do Espírito Santo a salvação do homem. Assim declarou em seu sermão:

 

Portanto, todo o homem para crer para salvação, precisa receber o Espírito Santo. É isto essencialmente necessário a todo cristão, não para que opere milagres, mas para fé, paz, alegria e amor - os frutos comuns do Espírito. [...] Embora nenhum homem na terra possa explicar o modo particular pelo qual o Espírito de Deus opera em nossa alma, contudo todo aquele que tiver estes frutos sabe e sente que Deus operou-os em seu coração. [...] o homem que agora está destituído de fé, esperança e amor não pode efetuar qualquer grau dessas virtudes em si mesmo por qualquer atividade possível da sua mente e de qualquer uma ou de todas as suas faculdades naturais, embora possa gozá-las na mais alta perfeição. Um poder provindo de Deus é indispensavelmente necessário ao homem antes que ele chegue ao mais baixo degrau da fé, da esperança e do amor cristãos. Para ter qualquer destas (as quais, considerando-as deste modo, suponho que S. Paulo as chamou de frutos do espírito) ele precisa ser criado de novo, completa e internamente mudado pela operação do Espírito de Deus, por um poder equivalente àquele que levanta os mortos e que chama as coisas que não são como se fossem. (WESLEY, 1995)

 

Considerando a Justificação, João Wesley novamente se distância do Pelagianismo de Charles Finney:

 

A noção escriturística pura de justificação é perdão de pecados. É o ato de Deus - o Pai, pelo qual, pela propiciação feita pelo sangue de seu Filho, "Ele mostra a sua justiça (ou misericórdia) pela remissão dos pecados que são passados". [...] Aquele que é justificado ou perdoado, Deus "não imputa pecado" para sua condenação. Ele não o condenará por isso quer neste mundo quer no vindouro. Todos os seus pecados passados, por pensamentos, palavras ou obras, são cobertos, são apagados, não serão mencionados ou lembrados contra ele, são como se não tivessem existido. Deus não aflige àquele pecador o que ele merecia sofrer porque o Filho do seu amor sofreu por ele. E desde a hora em que "somos aceitos através do bem-amado, reconciliados com Deus através do seu sangue, Ele nos ama, abençoa e guarda para o bem como se nunca tivéssemos pecado. (WESLEY, 1995)

 

 

E, comungando com a Reforma, com Lutero e Calvino, WESLEY conclui:

 

O autor da fé e da salvação é só Deus. É ele que opera em nós o querer e o fazer. É o único doador de todo dom perfeito e o único autor de toda a boa obra. [...] A fé, portanto, é a condição necessária da justificação, sim, e a única condição necessária [...] no momento exato em que Deus concede a fé (pois ela é dom de Deus) ao "ímpio que não age", essa "fé lhe é imputada para justiça". Antes disto ele não possuía justiça ou inocência. Mas a "fé lhe é imputada para justiça" no momento em que ele crê. Não que Deus, como foi observado anteriormente, pense que ele seja o que realmente o que não é, mas "como Ele fez de Cristo pecado por nós", isto é, tratou-o como pecador, punindo-o por nossos pecados, assim Ele nos tem como justos desde a hora em que cremos nele, isto é, não nos pune por causa dos nossos pecados; sim, trata-nos como se fôssemos sem culpa e justos. (WESLEY, 1995)

 

Estes são os preceitos do Arminianismo clássico. Encontram-se todos em conformidade com a doutrina dos reformados. As idéias de WESLEY confrontavam com toda a teologia finneyana; em seus sermões declarava que o homem é um ser naturalmente culpado, escravo da vontade e condenado ao inferno. Pregava a necessidade da ação graciosa da parte de Deus para salvá-lo, dando-lhe a fé e o arrependimento, através de seu Espírito Santo, perdoando os seus pecados na cruz e os justificando em Cristo, o seu único intermediador, pela fé somente, e automaticamente imputando à justiça de Cristo em sua conta para que pelo Espírito viva em santificação, satisfazendo a justiça de Deus.

Este ato de crer, esta total confiança não tem como base a fé, mas sim a obra perfeita de Cristo. De acordo com (HORTON, 1995) no Cristianismo, o que salva não é o ato da fé, mas sim o objeto da fé. Nós não somos salvos pela fé, não somos justificados pela fé; nós somos justificados pela justiça de Cristo que nos é imputada Apesar de alguns pontos de discordância com doutrina reformada, WESLEY afirmou que a diferença de sua teologia para a teologia de Calvino era de apenas “a distância de um fio de cabelo” (FERREIRA; MYATT, 2007).

O grande desejo de João Wesley foi o de sempre pregar as três grandes doutrinas bíblicas: o pecado original, a justificação pela fé e a conseqüente santidade, fato que se prova em seus sermões escritos.  Portanto, o modelo bíblico, em sua essência, aproxima-se do modelo wesleyano e não do finneyano como muitos crêem e afirmam.

J.I. Packer em sua obra, A evangelização e a soberania de Deus, registrou um testemunho de Charles Simeon acerca de sua conversão, através de WESLEY:

 

Meu caro, eu entendo que você é o que chamam de arminiano; e certas pessoas me chamam de calvinista; e por isso mesmo, suponho que as pessoas esperam ver-nos prontos para brigar um contra o outro. Mas, antes de eu consentir em que se dê início ao combate, com sua licença, gostaria de lhe fazer algumas perguntas. Diga-me, por favor: você sente que é uma criatura tão depravada, mas tão depravada que nunca teria pensado em voltar para Deus, se Deus já não tivesse posto isto em seu coração antes? "É verdade, 'diz o veterano', é isso mesmo." "E você também se sentiria totalmente perdido, se tivesse que recomendar-se a Deus, baseado em alguma coisa que você pudesse fazer; e considera a salvação como algo que se deu exclusivamente pelo sangue e justiça de Cristo? "Sim, exclusivamente por Cristo." “Mas então, meu caro, partindo do pressuposto de que você foi inicialmente salvo por Cristo, será que ainda assim você não teria que subseqüentemente, de uma forma ou de outra, salvar-se a si mesmo por suas próprias obras”? "É claro que não, pois eu devo ser salvo por Cristo do princípio ao fim". Admitindo, então, que foi inicialmente convertido pela graça de Deus, você, de um modo ou de outro, deve manter-se salvo por seu próprio poder? “Não”. “Quer dizer, então, que você deve ser sustentado a cada hora e momento por Deus, tal como uma criança nos braços de sua mãe”?". "Sim, absolutamente." "E quer dizer que toda a sua esperança está depositada na graça e misericórdia de Deus para sustentá-lo, até que venha o seu reino celestial?" "Certamente, eu estaria completamente desesperado, se não fosse ele." “Então”, meu caro, com sua permissão, vou levantar novamente a minha espada; pois isto não é nada mais nada menos do que o meu Calvinismo; eis aí as minhas teses da eleição, da justificação pela fé, da perseverança final: eis aí, em essência, tudo o que eu defendo, e como o defendo; portanto, se lhe parecer bem, ao invés de ficar tentando descobrir termos ou expressões que sejam bom motivo de briga entre nós, unamo-nos cordialmente naquelas coisas em que concordamos. (PACKER, 2002)

 

Afastando-se da Reforma e de WESLEY, Charles Finney rejeitava a doutrina da graça, considerando-a uma ficção teológica. Se não havia uma natureza pecaminosa no homem, também não havia a necessidade de alguém pagar por algo que não cometeu. Então nada havia em sua natureza que o impedia de cumprir todos os requerimentos exigidos por Deus. (FERREIRA; MYATT, 2007). É possível perceber um rompimento declarado e consciente da doutrina finneyana com a ortodoxia evangélica. E na medida em que rejeitou a doutrina da justificação pela fé, rejeitou um preceito próprio da Bíblia.

 

É impossível e absurdo que os pecadores sejam declarados legalmente justos conforme veremos, há várias condições, mas apenas um fundamento, para a justificação dos pecadores. Já dissemos que não existe uma justificação no sentido forense ou judicial, e sim uma justificação fundamentada na ininterrupta, perfeita e universal obediência à lei. Isto, sem dúvida, é negado por aqueles que asseveram que a justificação evangélica, ou a justificação de pecadores arrependidos, possui o caráter de uma justificação forense ou judicial. Eles se apegam à máxima judicial de que aquilo que um homem faz através de um outro é considerado como sendo feito por ele mesmo; portanto, a lei considera a obediência de Cristo como nossa, com base no fato de que Ele a obedeceu por nós. (FINNEY, 2004)

 

Para FINNEY, a morte de Cristo não foi para justificar, perdoar ou satisfazer a justiça de Deus. Segundo sua doutrina, Cristo morreu para justificar a si mesmo. A Justificação não dependia da obra de Cristo, mas da obediência do crente às leis de Deus, isto é, enquanto o pecador fosse obediente ele estava justificado. Então a Justificação se daria pela constante obediência do pecador e nunca pela obra completa do Filho de Deus, em sua vida obedecendo em tudo ao Pai, na cruz pagando os pecados dos homens, na ressurreição garantindo a vitória e na ascensão dando seu Espírito e fazendo do homem parte do seu corpo.

Assim como a doutrina católica, FINNEY confundia a Justificação com a Santificação, colocando a Santificação, isto é, os esforços próprios, como uma condição para a Justificação. O homem seria justificado pelas obras e a total justificação só viria plenamente para o crente se ele vivesse uma vida de obediência constante.

Segundo o evangelho que pregava, não havia segurança eterna para aqueles que encontraram com Cristo. O evangelho finneyano entendia que a salvação não dependia da obra consolidada e suficiente de Cristo, mas no esforço de uma vida santa, gerando assim um movimento de conduta legalista dentro das igrejas.