CHARLES FINNEY E O CONTEXTO HISTÓRICO
Para se entender de maneira mais aprofundada o pragmatismo teológico de
Charles Finney é necessário considerar uma tendência religiosa própria do
século XIX, o chamado Hipercalvinismo. Nas palavras de Kenneth G. Talbot e W.
Gary Crampton, em artigo, o termo é assim definido:
O hipercalvinismo, como o nome indica, é uma perversão
do calvinismo. Ele vai além (hiper) do que o calvinismo ensina. Ele enfatiza a
soberania de Deus na eleição em detrimento da responsabilidade do homem. Em sua
tentativa de exaltar a honra e glória de Deus, o hipercalvinismo enfatiza tanto
a eleição e a graça irresistível que acaba eliminando essencialmente a
necessidade de evangelizar. A vontade secreta de Deus é tão acentuada, que a
vontade revelada é desenfatizada. O resultado é uma visão truncada do
calvinismo. (KENNETH; CRAMPTON, 1999)
De uma outra maneira, esse ensino pregava que o convite do Evangelho era
apenas para aqueles que Deus escolheu, e, por conclusão, o Evangelho não
deveria ser pregado indiscriminadamente a todos, pois a salvação só pertencia
aos eleitos; de uma forma ou de outra, isto é, com evangelismo ou sem
evangelismo, Deus os alcançaria e os salvaria.
Por esta exasperada compreensão do Calvinismo, muitas igrejas se
desviavam do Calvinismo autêntico e se aprofundavam no ensino do chamado
hipercalvinismo. O resultado foi um afrouxamento da disciplina das igrejas com
respeito às missões, o que causou indignação a FINNEY, que via em suas
doutrinas a solução para os equívocos cometidos.
Descobri que em todos os lugares, as peculiaridades do
hiper-Calvinismo têm sido uma grande pedra de tropeço tanto para a igreja
quanto para o mundo. Uma natureza pecaminosa em si, a total inabilidade de
aceitar a Cristo e de obedecer a Deus, a condenação à morte eterna pelo pecado
de Adão, e por uma natureza pecaminosa, e todos os dogmas relacionados e resultantes
dessa tradição peculiar, têm sido pedras de tropeço para crentes e a ruína para
pecadores. (WARFIELD, 1932)
No entanto, ao invés de separar o falso do verdadeiro, a atitude de
FINNEY foi a de repudiar o calvinismo juntamente com o hipercalvinismo. Ele
lutou contra o extremo do Calvinismo com outro extremo, chamado Pelagianismo.
Mas, na verdade, Charles Finney não rejeitava a doutrina do pastor Gale,
nem o hipercalvinismo, ele rejeitava as doutrinas centrais do Evangelho. Se
tivesse estudado os Cânones de Dort, um documento dos reformados holandeses
contra o crescente Arminianismo na Holanda, ele não teria dúvidas sobre o que o
Calvinismo cria e pregava. Assim está
escrito na seção II artigo 5 do Cânones de Dort:
Além disso, é promessa do evangelho que todo aquele
que crer no Cristo crucificado não perecerá, mas terá a vida eterna. Esta
promessa, juntamente com o mandamento de arrepender-se e crer, deve ser
anunciada e declarada sem diferenciação ou discriminação a todas as nações e
povos, a quem Deus em seu bom propósito enviar o evangelho. (CÂNONES DE DORT, 1986)
O verdadeiro Calvinismo não é de forma alguma fatalista, isto é, as
escolhas e decisões humanas não fazem nenhuma diferença, mas totalmente consciente
de sua responsabilidade de pregar o Evangelho a toda criatura indiscriminadamente.
Há uma certa dúvida se o pastor Gale era hipercalvinista, pois em sua
autobiografia FINNEY disse nunca esperar ou sequer almejar a conversão de
alguma pessoa, através dos sermões que o ouviu pregar (MACARTHUR Jr., 2004). Segundo
FINNEY, ele parecia ser hipercalvinista, e mesmo que outros o reconhecessem
como um ortodoxo, sua pregação em nada impactava FINNEY.
Com respeito à depravação humana e à soberania divina na qual o pastor
Gale cria, declarou que eram incompatíveis com o evangelismo e concluiu:
O fato é que a educação do irmão Gaule para o
ministério tinha sido totalmente defeituosa. Ele tinha absorvido um conjunto de
opiniões, ambos teológicos e práticas, que eram uma camisa de força para ele.
Ele poderia realizar muito pouco ou nada se levasse a cabo seus próprios
princípios. Eu usufruía de sua biblioteca, e explorava-a totalmente sobre todas
as questões de teologia que surgiam para exame; e quanto mais eu examinava os
livros, mais eu ficava insatisfeito. (FINNEY, 1980)
A visão de FINNEY direcionava-se para algo que funcionasse algo que
produzisse resultados rápidos, e segundo suas próprias palavras, a metodologia
que Gale usava, juntamente com sua teologia, estavam sendo o empecilho para alcançar
os pecadores ou para os pecadores alcançarem a Deus. Segundo FINNEY, essas duas
premissas, partindo sempre da vontade livre do homem, eram corretas.
Realmente a indignação de Finney tinha fundamento, com respeito ao modo
da Igreja evangelizar, mas o caminho por ele seguido foi o do pragmatismo
religioso, que alterou a postura evangelizadora da Igreja, e que, a despeito de
seu sucesso como pregador, ao final de sua vida e de sua obra, trouxe-lhe a
frustração de não ter obtido o êxito que acreditava alcançar.
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