quarta-feira, 29 de outubro de 2014


CHARLES FINNEY E O CONTEXTO HISTÓRICO


Para se entender de maneira mais aprofundada o pragmatismo teológico de Charles Finney é necessário considerar uma tendência religiosa própria do século XIX, o chamado Hipercalvinismo. Nas palavras de Kenneth G. Talbot e W. Gary Crampton, em artigo, o termo é assim definido:

 

O hipercalvinismo, como o nome indica, é uma perversão do calvinismo. Ele vai além (hiper) do que o calvinismo ensina. Ele enfatiza a soberania de Deus na eleição em detrimento da responsabilidade do homem. Em sua tentativa de exaltar a honra e glória de Deus, o hipercalvinismo enfatiza tanto a eleição e a graça irresistível que acaba eliminando essencialmente a necessidade de evangelizar. A vontade secreta de Deus é tão acentuada, que a vontade revelada é desenfatizada. O resultado é uma visão truncada do calvinismo. (KENNETH; CRAMPTON, 1999)

 

De uma outra maneira, esse ensino pregava que o convite do Evangelho era apenas para aqueles que Deus escolheu, e, por conclusão, o Evangelho não deveria ser pregado indiscriminadamente a todos, pois a salvação só pertencia aos eleitos; de uma forma ou de outra, isto é, com evangelismo ou sem evangelismo, Deus os alcançaria e os salvaria.

Por esta exasperada compreensão do Calvinismo, muitas igrejas se desviavam do Calvinismo autêntico e se aprofundavam no ensino do chamado hipercalvinismo. O resultado foi um afrouxamento da disciplina das igrejas com respeito às missões, o que causou indignação a FINNEY, que via em suas doutrinas a solução para os equívocos cometidos.

 

Descobri que em todos os lugares, as peculiaridades do hiper-Calvinismo têm sido uma grande pedra de tropeço tanto para a igreja quanto para o mundo. Uma natureza pecaminosa em si, a total inabilidade de aceitar a Cristo e de obedecer a Deus, a condenação à morte eterna pelo pecado de Adão, e por uma natureza pecaminosa, e todos os dogmas relacionados e resultantes dessa tradição peculiar, têm sido pedras de tropeço para crentes e a ruína para pecadores. (WARFIELD, 1932)

                                                                                                                                                    

No entanto, ao invés de separar o falso do verdadeiro, a atitude de FINNEY foi a de repudiar o calvinismo juntamente com o hipercalvinismo. Ele lutou contra o extremo do Calvinismo com outro extremo, chamado Pelagianismo.

Mas, na verdade, Charles Finney não rejeitava a doutrina do pastor Gale, nem o hipercalvinismo, ele rejeitava as doutrinas centrais do Evangelho. Se tivesse estudado os Cânones de Dort, um documento dos reformados holandeses contra o crescente Arminianismo na Holanda, ele não teria dúvidas sobre o que o Calvinismo cria e  pregava. Assim está escrito na seção II artigo 5 do Cânones de Dort:

 

Além disso, é promessa do evangelho que todo aquele que crer no Cristo crucificado não perecerá, mas terá a vida eterna. Esta promessa, juntamente com o mandamento de arrepender-se e crer, deve ser anunciada e declarada sem diferenciação ou discriminação a todas as nações e povos, a quem Deus em seu bom propósito enviar o evangelho. (CÂNONES DE DORT, 1986)

 

O verdadeiro Calvinismo não é de forma alguma fatalista, isto é, as escolhas e decisões humanas não fazem nenhuma diferença, mas totalmente consciente de sua responsabilidade de pregar o Evangelho a toda criatura indiscriminadamente.

Há uma certa dúvida se o pastor Gale era hipercalvinista, pois em sua autobiografia FINNEY disse nunca esperar ou sequer almejar a conversão de alguma pessoa, através dos sermões que o ouviu pregar (MACARTHUR Jr., 2004). Segundo FINNEY, ele parecia ser hipercalvinista, e mesmo que outros o reconhecessem como um ortodoxo, sua pregação em nada impactava FINNEY.

Com respeito à depravação humana e à soberania divina na qual o pastor Gale cria, declarou que eram incompatíveis com o evangelismo e concluiu:

 

O fato é que a educação do irmão Gaule para o ministério tinha sido totalmente defeituosa. Ele tinha absorvido um conjunto de opiniões, ambos teológicos e práticas, que eram uma camisa de força para ele. Ele poderia realizar muito pouco ou nada se levasse a cabo seus próprios princípios. Eu usufruía de sua biblioteca, e explorava-a totalmente sobre todas as questões de teologia que surgiam para exame; e quanto mais eu examinava os livros, mais eu ficava insatisfeito. (FINNEY, 1980)

 

A visão de FINNEY direcionava-se para algo que funcionasse algo que produzisse resultados rápidos, e segundo suas próprias palavras, a metodologia que Gale usava, juntamente com sua teologia, estavam sendo o empecilho para alcançar os pecadores ou para os pecadores alcançarem a Deus. Segundo FINNEY, essas duas premissas, partindo sempre da vontade livre do homem, eram corretas.

Realmente a indignação de Finney tinha fundamento, com respeito ao modo da Igreja evangelizar, mas o caminho por ele seguido foi o do pragmatismo religioso, que alterou a postura evangelizadora da Igreja, e que, a despeito de seu sucesso como pregador, ao final de sua vida e de sua obra, trouxe-lhe a frustração de não ter obtido o êxito que acreditava alcançar.

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