Há um tempo, eu conversava com um amigo sobre o seu líder,
um pastor conhecido no Brasil. Retruquei com ele sobre a formação teológica
desse pastor, e ele me disse que a sua visão havia mudado muito nesse ultimo
tempo. Eu sabia da influência neo-pentecostal desse líder, apesar de sua
paixão pelas almas e por Deus. Eu não o desprezava. Na verdade eu gostava de
ouvir suas pregações. Ele havia passado por um forte tratamento de Deus sobre
sua vida. Muito daquilo que ele cria realmente havia ficado para trás, mas
ainda em minha cabeça, restava algo da velha formação nele. Esse amigo me disse
que sua visão era mais reformada hoje. Então lhe perguntei com ar de esperança:
ele é Calvinista? E ele me respondeu: Calvinista, não. Ele é Spurgionista.
Eu realmente não entendi esse argumento e respondi: se ele é
Spurgionista tem que ser Calvinista, por que Spurgeon era mais Calvinista do
que o próprio Calvino.
Era legal saber que esse líder estava sendo influenciado por
esse grande pregador. A igreja brasileira precisa urgentemente de pregadores
capazes como ele. Mas conhecendo um pouco da vida e da obra desse homem, não
tem como perceber as suas crenças. Ele era um defensor da verdade do evangelho,
e a verdade que me refiro é os fundamentos da graça da fé reformada. Porque ele abre a boca para dizer que é
Spurgionista e se cala, para não dizer, se envergonha, ou pior, teme em dizer
que é Calvinista? E porque Spurgeon e não Calvino? Será que o primeiro tinha
mais paixão que o ultimo? Ou será que o ultimo era menos evangelista que o
primeiro? O ponto aqui não é defender a paixão missionária de Calvino, algo que
está bem claro para nós brasileiros, principalmente, se lermos nossa história
buscando conhecer a chegada do evangelho no Brasil e a confissão de fé da
Guanabara.
Mas o ponto aqui é sobre nossos referenciais. Tendemos a nos
apegar a algumas facetas desses grandes homens, mas muitas das vezes o que
realmente importa é deixado de lado. Temos uma visão pragmática dos ministérios
de alguns pregadores do passado e do presente. Exclui-se o que é polêmico e se
apega ao que trás evidência. Desconstruímos a vida desses vultos, para nos apossar
daquilo que nos interessa. E tudo aquilo que é politicamente incorreto em
nossos dias é descartado por um simples fato: não trás proeminência nos
púlpitos da igreja brasileira.
Spurgeon, o grande evangelista, ganhador de almas.
Que legal né. Essa é uma grande verdade, mas apenas parte
dela. Spurgeon era um zeloso Calvinista que defendeu a verdade do evangelho com
unhas e dentes em seus dias. O que o guiava? O seu referencial, Calvino. Não
era uma parte legalzinha desse grande reformador que esse pregador trazia em
seu ministério. Ou aquela parte que não lhe traria problemas na comunidade
cristã. Não! Ele havia bebido de toda essência de seu mestre. Olha que eu
coloco o que é essencial. Ele não se envergonhava de se chamar Calvinista e nem
que os outros soubessem quem ele era e qual era a sua doutrina. O que sou, eu
sou para glória de Deus, creio que dizia Spurgeon.
E o que ele pregava em seus dias? Uma mensagem pragmática
onde o pecador semimorto em seus pecados tem poder de decidir por Cristo, ou
rejeitá-lo, sendo o papel do pregador, persuadi-lo a aceitar a Cristo com
musicas e apelo após uma pregação emocionalista vazia do evangelho? Com certeza
não! O que ele pregava era o estado miserável do pecador, morto em seus delitos
e pecados, incapaz de vir a Cristo. Somente a misericórdia de Deus o impedia de
ser lançado no inferno, lugar real que cada pecador merece estar. Ele dependia
totalmente da graça de Deus e do agir soberano do Espírito Santo em sua vida,
senão ele estava perdido.
Se você quer ser seguidor de um referencial, creio que em
questões secundárias pode até haver divergências, mas não em questões primarias,
ou essenciais. Por exemplo: eu sou Calvinista e creio, sem nenhuma duvida em
meu coração, nos cinco pontos do Calvinismo. Entretanto, eu não tenho a mesma
visão escatológica que Calvino. O mesmo com a visão da dicotomia do Teólogo
de Genebra. Isso afeta a questão deu ser reformado, ou Calvinista? Não! Porque
essa não é a essência da sua teologia. E
se eu sou Spurgionista é porque sou Calvinista. Sem esse referencial, não tenho
autoridade para arrogar Spurgeon como meu tutor.
Diante disso, que tipo de homens tem sido gerado na igreja
brasileira? Creio que uma caricatura daquilo que já foi um dia. Se quisermos
estar isentos de referenciais, então não devemos ler nada de homem algum, a não
ser a bíblia. Mas é principalmente nela que estão os nossos referenciais. Jesus
está lá, juntamente com Paulo e Pedro. Lá está Abraão, Isaque e Jacó. Também os
profetas, como a maçante geração de Elias de nossos dias, ou Jeremias, ou
ainda, a geração de João Batista. Não temos como escapar de termos referenciais. Vivemos a sombra de referencias, e se
quisermos segui-los, devemos ser fiéis a sua essência.
Entretanto, alguns podem dizer: eu não sou de Paulo, Pedro
ou Apolo, mas de Cristo. Esses espirituais excluem toda a história da teologia
cristã, rogando uma falsa humildade. Eles são os piores. São os fanáticos, os
extremistas que rejeitam toda a tradição da igreja por seu orgulho de não
querer ter referenciais, algo que é impossível. Não há isenção. Ninguém se achega a palavra sem
pressupostos. Na verdade é o pressuposto que vai te guiar na verdadeira
interpretação da verdade. A questão não é se eu tenho referencial ou não, mas
qual é meu referencial, e mais, se eu sou fiel a ele.
Há certa presunção em muitos lideres hoje que se dizem
isentos de referenciais, até que uma antiga foto, ou um antigo vídeo prova o
contrário. Ninguém é isento de referenciais, repito. E creio que isso é um
principio desde os tempos do senhor Jesus. Ele é o primeiro referencial para a
igreja. Os apóstolos olharam para ele e foram fiéis a sua essência. Os Pais da
igreja olharam para os apóstolos e foram fiéis a sua essência. Os reformadores
olharam para esses pais e foram fiéis a sua essência, e até Lutero tinha referencial.
Ter uma referencia é algo certo. Quem é
ele e se eu sou fiel, é onde se esconde o problema. Não há como encobrir o que
você é ou prega. Se seu tutor é Spurgeon, não tem como desconstruí-lo para que
ele seja mais aceitável, ou você. Seja fiel a essência, custe o que custar. É
muito mais digno sofrer o que seu referencial sofreu pela verdade do evangelho
do que ser aceito pelo povo escravizado pela mentira e assim cair em sua graça.
Portanto, seja fiel aquele da qual você aprendeu, e se tiver que sofrer por
segui-lo, seja homem suficiente para isso. É de homens assim que a igreja
brasileira precisa principalmente se for seguidor fiel de pregadores como
Spurgeon.
Soli Deo Gloria
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