quarta-feira, 29 de outubro de 2014


a justificação pela fé


O estudo da teologia finneyana revela a sua rejeição de alguns dos princípios calvinistas; uma das maiores delas é a da Justificação pela graça mediante a Fé.

 

Justificação é um ato instantâneo e legal da parte de Deus pelo qual Ele considera os nossos pecados perdoados e a justiça de Cristo como pertencente a nós e declara-nos justos à vista d’Ele. (GRUDEM, 1999)

 

FINNEY rejeitou a idéia de que a justiça de Cristo seria a única base para a justificação do pecador, colocando sobre o próprio pecador toda a responsabilidade de corrigir os erros e assim ser aceito por Deus. Entendia a morte de Cristo não como um pagamento pelos pecados, mas como um exemplo a ser seguido.

Em artigo, assim Phillip R. Johnson define o termo Justificação:

Os Protestantes têm historicamente insistido que justificação é uma declaração puramente forense, dando ao pecador penitente uma imediata posição de justiça diante de Deus sobre os méritos da justiça de Cristo, não a sua própria (cf. Rm 10.3; Fp 3.9). Por forense nós entendemos que ela é uma declaração legal, como um veredicto do tribunal ou um pronunciamento de casamento (“Eu vos declaro marido e mulher”). Ela muda o status externo da pessoa em lugar de simular alguma espécie de mudança interna, ela é uma realidade completamente objetiva. (JOHNSON, 1998)

 

Deste modo, a declaração de Justificação não seria uma mudança interna no pecador. Não seria uma obra subjetiva, como a santificação, mas apenas a mudança exterior de pecador para santo, de escravo para livre, de condenado para justificado, de maldito para bendito, de bastardo para filho.

Outro equívoco sobre a teologia de FINNEY é a sua aproximação da doutrina de João Wesley, este sim um típico arminiano, ou como outros designam um semicalvinista. Realmente, a teologia de João Wesley apresenta-se de forma eclética, difícil de ser qualificada. WESLEY não escreveu uma obra de teologia sistemática, mas as suas pregações publicadas revelam o âmago de sua teologia. Pregou sobre a total corrupção da natureza humana, sobre o pecado original e sobre a escravidão da vontade.

É importante distinguir a linha teológica de WESLEY da linha teológica de FINNEY; por isto, a seguir, os principais pontos da doutrina de João Wesley serão ordenados para serem contrastados com a teologia finneyana.

Com respeito ao livre arbítrio, assim pregou WESLEY:

 

Creio que Adão, antes da sua queda, era totalmente livre para escolher o bem ou o mal, mas que, desde a sua queda, nenhum filho dos homens tem poder natural para escolher qualquer coisa que seja realmente boa. (WESLEY, 1995)

 

Sobre o pecado original, João Wesley respondeu da seguinte forma:

 

Pergunta n°15: em que sentido é o pecado de Adão imputado a toda a humanidade?

Resposta: em Adão todos morrem isto é: 1) Nosso corpo tornou-se então mortal. 2) Nossa alma morreu, isto é, separou-se de Deus, e daí 3) todos nós nascemos com uma natureza pecadora e diabólica. Por esta razão 4) somos filhos da ira, sujeitos à morte eterna ( Rom. 5:18; Ef. 2:3). (WESLEY, 1995)

 

WESLEY também pregou sobre a justiça de Cristo imputada ao pecador:

 

Em que sentido se imputa esta justiça aos crentes? Nisto: todos os crentes são perdoados e aceitos, não por causa de qualquer coisa existente neles ou por qualquer coisa que fizeram, fazem ou farão, mas total e somente pelo que Cristo fez e sofreu por eles. Repito: não por causa de qualquer coisa deles ou feita por eles, por sua própria retidão ou obras: "Não por obras de justiça que tenhamos realizado, mas pela sua misericórdia Ele nos salvou". "Sois salvos pela graça mediante a fé; não pelas obras para que ninguém se glorie", mas total e somente pelo que Cristo fez e sofreu por nós. Somos "justificados gratuitamente pela sua graça através da redenção que é em Cristo Jesus"(WESLEY, 1995)

 

Sobre a salvação, coloca em ênfase a soberana graça de Deus e a responsabilidade do homem, a chamada graça previniente, questão também rejeitada por FINNEY.

 

A salvação começa com o que é usualmente chamado de maneira muito adequada de graça previniente, incluindo o primeiro desejo de agradar a Deus, a primeira aurora de luz referente à sua vontade e a primeira convicção leve e passageira de ter pecado contra Ele [...] Por que meios então expiará um pecador mesmo os seus menores pecados? Por suas próprias obras? Não. Fossem elas tantas e tão santas, não são suas, mas de Deus [...] Se então os pecadores encontram favor de Deus é "por graça sobre graça!" Se Deus ainda condescende em derramar bênçãos sobre nós, sendo a salvação a maior delas, que podemos dizer a respeito dessas coisas senão: "Graças a Deus por seu dom indizível!" Assim é. Deste modo "Deus ordena seu amor para conosco em que sendo nós ainda pecadores, Cristo morreu" para salvar-nos. "Sois salvos pela graça através da fé." A graça é a fonte e a fé a condição da salvação. (WESLEY, 1995)

 

É possível perceber que Charles Finney confundiu a questão da Justificação e da Santificação, colocando a última como a condição para o pecador ser justificado. Mas João Wesley colocou, biblicamente, a função de cada um destes termos.

 

"Somos salvos pela fé", consistindo isto de dois grandes ramos - a justificação e a santificação. Pela justificação somos salvos da culpa do pecado e restaurados ao favor de Deus; pela santificação somos salvos do poder e da raiz do pecado e restaura-nos à imagem de Deus. [...] Creio que a justificação seja inteiramente distinta da santificação e necessariamente a antecede. [...] Igualmente, diz serem a nossa própria santidade e as nossas boas obras a causa da nossa justificação ou que por causa delas somos justificados perante Deus. Não creio que seja parte alguma da causa da nossa justificação, mas que a morte e a justiça de Cristo sejam a causa total e única da mesma, ou que por causa delas somos justificados perante Deus. (WESLEY, 1995)

 

João Wesley, fiel às tradições evangelistas, delegava ao poder do Espírito Santo a salvação do homem. Assim declarou em seu sermão:

 

Portanto, todo o homem para crer para salvação, precisa receber o Espírito Santo. É isto essencialmente necessário a todo cristão, não para que opere milagres, mas para fé, paz, alegria e amor - os frutos comuns do Espírito. [...] Embora nenhum homem na terra possa explicar o modo particular pelo qual o Espírito de Deus opera em nossa alma, contudo todo aquele que tiver estes frutos sabe e sente que Deus operou-os em seu coração. [...] o homem que agora está destituído de fé, esperança e amor não pode efetuar qualquer grau dessas virtudes em si mesmo por qualquer atividade possível da sua mente e de qualquer uma ou de todas as suas faculdades naturais, embora possa gozá-las na mais alta perfeição. Um poder provindo de Deus é indispensavelmente necessário ao homem antes que ele chegue ao mais baixo degrau da fé, da esperança e do amor cristãos. Para ter qualquer destas (as quais, considerando-as deste modo, suponho que S. Paulo as chamou de frutos do espírito) ele precisa ser criado de novo, completa e internamente mudado pela operação do Espírito de Deus, por um poder equivalente àquele que levanta os mortos e que chama as coisas que não são como se fossem. (WESLEY, 1995)

 

Considerando a Justificação, João Wesley novamente se distância do Pelagianismo de Charles Finney:

 

A noção escriturística pura de justificação é perdão de pecados. É o ato de Deus - o Pai, pelo qual, pela propiciação feita pelo sangue de seu Filho, "Ele mostra a sua justiça (ou misericórdia) pela remissão dos pecados que são passados". [...] Aquele que é justificado ou perdoado, Deus "não imputa pecado" para sua condenação. Ele não o condenará por isso quer neste mundo quer no vindouro. Todos os seus pecados passados, por pensamentos, palavras ou obras, são cobertos, são apagados, não serão mencionados ou lembrados contra ele, são como se não tivessem existido. Deus não aflige àquele pecador o que ele merecia sofrer porque o Filho do seu amor sofreu por ele. E desde a hora em que "somos aceitos através do bem-amado, reconciliados com Deus através do seu sangue, Ele nos ama, abençoa e guarda para o bem como se nunca tivéssemos pecado. (WESLEY, 1995)

 

 

E, comungando com a Reforma, com Lutero e Calvino, WESLEY conclui:

 

O autor da fé e da salvação é só Deus. É ele que opera em nós o querer e o fazer. É o único doador de todo dom perfeito e o único autor de toda a boa obra. [...] A fé, portanto, é a condição necessária da justificação, sim, e a única condição necessária [...] no momento exato em que Deus concede a fé (pois ela é dom de Deus) ao "ímpio que não age", essa "fé lhe é imputada para justiça". Antes disto ele não possuía justiça ou inocência. Mas a "fé lhe é imputada para justiça" no momento em que ele crê. Não que Deus, como foi observado anteriormente, pense que ele seja o que realmente o que não é, mas "como Ele fez de Cristo pecado por nós", isto é, tratou-o como pecador, punindo-o por nossos pecados, assim Ele nos tem como justos desde a hora em que cremos nele, isto é, não nos pune por causa dos nossos pecados; sim, trata-nos como se fôssemos sem culpa e justos. (WESLEY, 1995)

 

Estes são os preceitos do Arminianismo clássico. Encontram-se todos em conformidade com a doutrina dos reformados. As idéias de WESLEY confrontavam com toda a teologia finneyana; em seus sermões declarava que o homem é um ser naturalmente culpado, escravo da vontade e condenado ao inferno. Pregava a necessidade da ação graciosa da parte de Deus para salvá-lo, dando-lhe a fé e o arrependimento, através de seu Espírito Santo, perdoando os seus pecados na cruz e os justificando em Cristo, o seu único intermediador, pela fé somente, e automaticamente imputando à justiça de Cristo em sua conta para que pelo Espírito viva em santificação, satisfazendo a justiça de Deus.

Este ato de crer, esta total confiança não tem como base a fé, mas sim a obra perfeita de Cristo. De acordo com (HORTON, 1995) no Cristianismo, o que salva não é o ato da fé, mas sim o objeto da fé. Nós não somos salvos pela fé, não somos justificados pela fé; nós somos justificados pela justiça de Cristo que nos é imputada Apesar de alguns pontos de discordância com doutrina reformada, WESLEY afirmou que a diferença de sua teologia para a teologia de Calvino era de apenas “a distância de um fio de cabelo” (FERREIRA; MYATT, 2007).

O grande desejo de João Wesley foi o de sempre pregar as três grandes doutrinas bíblicas: o pecado original, a justificação pela fé e a conseqüente santidade, fato que se prova em seus sermões escritos.  Portanto, o modelo bíblico, em sua essência, aproxima-se do modelo wesleyano e não do finneyano como muitos crêem e afirmam.

J.I. Packer em sua obra, A evangelização e a soberania de Deus, registrou um testemunho de Charles Simeon acerca de sua conversão, através de WESLEY:

 

Meu caro, eu entendo que você é o que chamam de arminiano; e certas pessoas me chamam de calvinista; e por isso mesmo, suponho que as pessoas esperam ver-nos prontos para brigar um contra o outro. Mas, antes de eu consentir em que se dê início ao combate, com sua licença, gostaria de lhe fazer algumas perguntas. Diga-me, por favor: você sente que é uma criatura tão depravada, mas tão depravada que nunca teria pensado em voltar para Deus, se Deus já não tivesse posto isto em seu coração antes? "É verdade, 'diz o veterano', é isso mesmo." "E você também se sentiria totalmente perdido, se tivesse que recomendar-se a Deus, baseado em alguma coisa que você pudesse fazer; e considera a salvação como algo que se deu exclusivamente pelo sangue e justiça de Cristo? "Sim, exclusivamente por Cristo." “Mas então, meu caro, partindo do pressuposto de que você foi inicialmente salvo por Cristo, será que ainda assim você não teria que subseqüentemente, de uma forma ou de outra, salvar-se a si mesmo por suas próprias obras”? "É claro que não, pois eu devo ser salvo por Cristo do princípio ao fim". Admitindo, então, que foi inicialmente convertido pela graça de Deus, você, de um modo ou de outro, deve manter-se salvo por seu próprio poder? “Não”. “Quer dizer, então, que você deve ser sustentado a cada hora e momento por Deus, tal como uma criança nos braços de sua mãe”?". "Sim, absolutamente." "E quer dizer que toda a sua esperança está depositada na graça e misericórdia de Deus para sustentá-lo, até que venha o seu reino celestial?" "Certamente, eu estaria completamente desesperado, se não fosse ele." “Então”, meu caro, com sua permissão, vou levantar novamente a minha espada; pois isto não é nada mais nada menos do que o meu Calvinismo; eis aí as minhas teses da eleição, da justificação pela fé, da perseverança final: eis aí, em essência, tudo o que eu defendo, e como o defendo; portanto, se lhe parecer bem, ao invés de ficar tentando descobrir termos ou expressões que sejam bom motivo de briga entre nós, unamo-nos cordialmente naquelas coisas em que concordamos. (PACKER, 2002)

 

Afastando-se da Reforma e de WESLEY, Charles Finney rejeitava a doutrina da graça, considerando-a uma ficção teológica. Se não havia uma natureza pecaminosa no homem, também não havia a necessidade de alguém pagar por algo que não cometeu. Então nada havia em sua natureza que o impedia de cumprir todos os requerimentos exigidos por Deus. (FERREIRA; MYATT, 2007). É possível perceber um rompimento declarado e consciente da doutrina finneyana com a ortodoxia evangélica. E na medida em que rejeitou a doutrina da justificação pela fé, rejeitou um preceito próprio da Bíblia.

 

É impossível e absurdo que os pecadores sejam declarados legalmente justos conforme veremos, há várias condições, mas apenas um fundamento, para a justificação dos pecadores. Já dissemos que não existe uma justificação no sentido forense ou judicial, e sim uma justificação fundamentada na ininterrupta, perfeita e universal obediência à lei. Isto, sem dúvida, é negado por aqueles que asseveram que a justificação evangélica, ou a justificação de pecadores arrependidos, possui o caráter de uma justificação forense ou judicial. Eles se apegam à máxima judicial de que aquilo que um homem faz através de um outro é considerado como sendo feito por ele mesmo; portanto, a lei considera a obediência de Cristo como nossa, com base no fato de que Ele a obedeceu por nós. (FINNEY, 2004)

 

Para FINNEY, a morte de Cristo não foi para justificar, perdoar ou satisfazer a justiça de Deus. Segundo sua doutrina, Cristo morreu para justificar a si mesmo. A Justificação não dependia da obra de Cristo, mas da obediência do crente às leis de Deus, isto é, enquanto o pecador fosse obediente ele estava justificado. Então a Justificação se daria pela constante obediência do pecador e nunca pela obra completa do Filho de Deus, em sua vida obedecendo em tudo ao Pai, na cruz pagando os pecados dos homens, na ressurreição garantindo a vitória e na ascensão dando seu Espírito e fazendo do homem parte do seu corpo.

Assim como a doutrina católica, FINNEY confundia a Justificação com a Santificação, colocando a Santificação, isto é, os esforços próprios, como uma condição para a Justificação. O homem seria justificado pelas obras e a total justificação só viria plenamente para o crente se ele vivesse uma vida de obediência constante.

Segundo o evangelho que pregava, não havia segurança eterna para aqueles que encontraram com Cristo. O evangelho finneyano entendia que a salvação não dependia da obra consolidada e suficiente de Cristo, mas no esforço de uma vida santa, gerando assim um movimento de conduta legalista dentro das igrejas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário