O
CONHECIMENTO DA SALVAÇÃO
TERCEIRA PARTE
Antes, porém, de procurarmos o versículo que
você deve ler cuidadosamente, o qual nos ensina COMO UM CRENTE PODE SABER QUE
TEM A VIDA ETERNA, permita-me citá-lo de maneira errada, ou seja, da maneira
como muitos parecem entendê-lo: "Estes alegres sentimentos vos dou a fim
de saberdes que tendes a vida eterna, a vós outros que credes em o nome do
Filho de Deus". Compare agora isto com a bendita e inalterável Palavra
divina, e permita Deus que você possa se firmar nela, rejeitando todos os
pensamentos vãos. Ora, o versículo de que falei é o versículo 13 do capítulo 5
da Primeira Epístola de João, que na Bíblia (Versão Almeida Atualizada) está
escrito assim: "ESTAS COISAS VOS ESCREVI a fim de SABERDES que TENDES a
vida eterna, a vós outros que credes em o nome do Filho de Deus".
A história sagrada do Antigo Testamento nos
relata um acontecimento que explica exatamente o modo pelo qual nós podemos ter
a inabalável certeza da salvação de que o versículo acima nos fala. Esse
acontecimento é a saída do povo de Israel da terra do Egito, o que lemos no capítulo
12 do livro de Êxodo. Como podiam os primogênitos do povo de Israel saber, com
toda a certeza, que estavam seguros durante aquela terrível noite da Páscoa,
quando Deus derramava sobre o Egito o Seu tremendo castigo? Vamos supor que nos
encontramos no Egito nessa solene ocasião, e que visitamos duas das casas dos
israelitas. Na primeira casa encontramos toda a família aterrorizada e cheia de
receios, dúvidas e incertezas:
- Qual é o motivo de tanta palidez e medo?-
perguntamos.
- Ah! - responde o primogênito, - o anjo da
morte vai atravessar a terra do Egito esta noite, e não sei o que será de mim
quando chegar a meia-noite. Só depois que o anjo exterminador tiver passado por
nossa casa, e a hora do juízo tiver terminado, é que saberei que estou salvo, mas
antes disso não sei como posso ter a certeza de que nada me há de acontecer. Os
nossos vizinhos do lado dizem que têm certeza da sua segurança, mas acho que
isso é ter muita presunção. O melhor que eu posso fazer é passar esta longa e
terrível noite esperando que tudo me saia bem.
- Porém - inquirimos - o Deus de Israel não
providenciou um meio de segurança para o Seu povo?>
- Certamente que sim - responde ele - e nós já
usamos esse meio. O sangue de um cordeiro de um ano, cordeiro sem defeito
algum, já foi devidamente espargido com um molho de hissopo sobre a verga e
ombreiras da porta; mas apesar disso, não temos ainda plena certeza de que eu
esteja seguro.
Deixemos agora esta pobre gente, atribulada e
cheia de dúvidas, e entremos na casa ao lado. Que notável contraste se
apresenta logo à nossa vista! A paz e o sossego brilham em todos os rostos. Ali
estão todos, de cajado na mão, a comer o cordeiro assado e já prontos para
caminhar.
- Qual é o motivo de tão grande tranquilidade em
noite tão solene? - perguntamos.
- Ah! - respondem todos - estamos aguardando as
ordens de Jeová, nosso Deus, para sairmos de viagem, quando então daremos as
últimas despedidas ao chicote do tirano e à cruel escravidão do Egito.
- Mas esperem! Vocês estão se esquecendo de que
à meia-noite o anjo de Deus vai percorrer a terra do Egito, ferindo de morte os
primogênitos...?
- Sabemos disso muito bem, mas o nosso filho já
está perfeitamente seguro porque já espargimos o sangue na porta, segundo a
vontade e ordem do nosso Deus.
Mas também os vizinhos fizeram o mesmo, -
respondemos, - e contudo estão todos tristes, porque não têm nenhuma certeza de
segurança.
- Ah - diz o primogênito com firmeza - mas nós
não temos somente o sangue espargido: temos também uma confiança absoluta na
Palavra inabalável do nosso Deus. Deus disse: "Quando Eu vir o sangue,
passarei por vós". Portanto Deus fica satisfeito VENDO O SANGUE lá fora, e
nós aqui dentro ficamos descansando na SUA PALAVRA. O sangue espargido é a base
da nossa segurança. A palavra proferida por Deus é a base da nossa certeza de
salvação. Porventura há alguma coisa que possa tornar-nos mais seguros do que o
sangue espargido, ou que possa dar-nos mais certeza do que a Palavra proferida
por Deus? Nada, absolutamente nada. Eis a razão da nossa paz!
Ora, leitor, qual dessas duas famílias você acha
que estava mais ao abrigo da espada do anjo da morte? Talvez você diga que era
a segunda, onde todos gozavam daquela tranquila confiança. Você está enganado:
ambas estavam igualmente seguras, pois a segurança de ambas dependia, não dos
sentimentos dos que estavam dentro da casa, mas sim da maneira como Deus
apreciava o sangue espargido fora da casa, sobre a porta. Se você quiser ter a
certeza da sua própria salvação, leitor, não dê atenção aos seus sentimentos,
mas sim ao testemunho infalível da Palavra de Deus. "Na verdade, na
verdade vos digo que aquele que crê em mim TEM a vida eterna" (Jo 6.47).
A fim de esclarecer mais este ponto, vou me
valer de um simples exemplo tirado da vida cotidiana. Certo lavrador, não tendo
pastagens suficientes para o seu gado, e ouvindo dizer que uma bela pastagem
próxima à sua casa está para alugar, comunica ao proprietário seu interesse em
arrendá-la. Passa-se algum tempo sem que receba resposta do proprietário.
Enquanto isso, um vizinho visita o lavrador e lhe diz:
- Estou certo de que ele alugará a pastagem a
você. Você não se lembra de que no último ano o proprietário enviou-lhe um
presente de caça, e não recorda também da maneira como o cumprimentou quando
passou por sua casa há alguns dias?" Eis agora o lavrador todo cheio de
esperanças!
No dia seguinte encontra-se com outro vizinho,
que durante a conversa lhe diz:
- Receio que você não poderá usar aquela
pastagem. Ouvi dizer que o sr. Fulano também a quer, e você sabe como ele é
amigo do proprietário.
Esta notícia faz desvanecer as esperanças do
pobre lavrador; e assim continua ele; um dia muito esperançoso, outro dia cheio
de dúvidas. Por fim recebe uma carta pelo correio e, ao reconhecer a letra do
proprietário da pastagem, abre-a com viva ansiedade; mas à medida que vai
lendo, o sobressalto vai se transformando em satisfação que se lhe retrata no
rosto.
- Está tudo resolvido,- exclama, dirigindo-se à
sua esposa; - acabaram-se as dúvidas e os receios! O proprietário diz que me
arrenda a pastagem por todo o tempo que eu quiser, e em condições muito
favoráveis. Isto me basta; agora já não me importo mais com a opinião de
ninguém, seja lá quem for; a palavra do proprietário assegura-me a posse.
Quantas pobres almas há por aí, às quais
acontece o mesmo que aconteceu ao lavrador; andam agitadas e perturbadas porque
escutam as opiniões dos homens, ou se ocupam com os pensamentos e sentimentos
dos seus próprios corações, ao passo que, se com sinceridade recebessem a
Palavra de Deus, como sendo a Palavra de Deus, as dúvidas que os atribulam
cederiam imediatamente seu lugar à CERTEZA.
As Escrituras dizem que aquele que crê está
salvo, e que aquele que não crê está condenado. Não pode haver dúvida, nem em
um caso nem em outro, pois é Deus Quem o diz, e para o crente de coração
sincero a Palavra de Deus resolve tudo. "Porventura diria Ele, e não o
faria? ou falaria, e não o confirmaria?" (Nm 23.19). Deus tem falado, e o
crente, satisfeito, pode dizer:
Mais provas não exijo eu
Nem mais
demonstração;
Já sei que
Cristo padeceu
Para minha
salvação.
Mas, talvez haverá alguém que ainda pergunte:
"Como hei de saber com certeza se tenho a verdadeira fé?" A esta
pergunta temos que responder com outra pergunta: "Você tem fé no
verdadeiro Salvador: isto é, no bendito Filho de Deus?" A questão não é
saber se a sua fé é muita ou pouca, forte ou fraca, mas se a Pessoa em quem
você colocou a sua confiança é digna dela. Há alguns que se agarram a Cristo
com uma energia semelhante à do homem que se afoga. Há outros, porém, que
apenas tocam, por assim dizer, na orla do Seu vestido; mas os primeiros não
estão mais seguros do que os últimos. Todos fizeram a mesma descoberta, isto é,
que em si mesmos não há nada em que possam confiar, mas que podem todavia
fiar-se seguramente em Cristo, podem fiar-se tranquilamente na Sua Palavra, e
podem, portanto, descansar com toda a confiança na eterna eficácia da Sua obra
perfeita. É isto que se entende por crer nEle, e é Sua a promessa: "Na verdade,
na verdade vos digo que aquele que crê em mim, tem a vida eterna" (Jo
6.47).
Portanto, cuidado leitor; não ponha a sua
confiança nas suas boas intenções ou no seu arrependimento e penitências, ou em
quaisquer outros atos religiosos, nem mesmo nos seus piedosos sentimentos, nem
na educação moral que possa ter recebido, nem em quaisquer outras coisas
semelhantes. É até possível que você confie firmemente em algumas destas
coisas, ou em todas elas juntas, e contudo venha a perder-se eternamente; porém
a fé em nosso Senhor Jesus Cristo, por mais fraca que seja, salva eternamente,
ao passo que a fé, mesmo que forte, em outra coisa ou pessoa qualquer é apenas
o fruto de um coração enganado.
Deus, no Evangelho, apresenta a você o Senhor
Jesus Cristo, e diz: "Este é o meu Filho amado, em Quem Me comprazo"
(Mt 3.17). É como se Deus dissesse: "Ainda que você não possa confiar em
si mesmo, pode contudo confiar sem receio em Jesus". Bendito, mil vezes
bendito Senhor Jesus! Quem não há de confiar em Ti e exaltar o Teu nome?
- Creio deveras nEle, - disse-me um dia uma
jovem, com certa tristeza, - todavia não me atrevo a dizer que estou salva, com
receio de dizer talvez uma mentira.
Esta jovem era filha de um negociante de gado em
uma pequena vila, e seu pai havia ido, naquele mesmo dia, à feira e ainda não
tinha voltado.
- Suponhamos agora - disse-lhe eu - que quando
seu pai voltar você lhe pergunte quantas ovelhas comprou hoje, e ele responda:
"Dez". Suponhamos ainda que logo em seguida entre um freguês e lhe pergunte:
"Quantas ovelhas seu pai comprou hoje?" Porventura você responderia:
"Não me atrevo a dizer, com receio de mentir"?
Nisto, a mãe da menina, que escutava nossa
conversa, disse com certa indignação: - Isso seria o mesmo que dizer que seu
pai é mentiroso.
Ora, querido leitor, você não percebe que essa
menina, embora bem intencionada, estava realmente a fazer do Senhor Jesus um
mentiroso, quando dizia: "Eu creio no Filho de Deus, porém não me atrevo a
dizer que tenho a vida eterna, porque receio dizer talvez uma mentira"?
Que incredulidade!
- Mas, - alguém poderá dizer, - como posso ter a
certeza de que realmente creio? Tenho me esforçado muitas vezes para crer, e
procurado ler no meu íntimo se o tenho conseguido; mas quanto mais penso na
minha fé, a mim menos parece que eu creia.
Meu amigo, a maneira como você olha para estas
coisas não poderia ter outro resultado, e o fato de você dizer que se esforça
para crer demonstra claramente que não compreende a questão. Deixe-me,
portanto, apresentar-lhe outro exemplo para explicar melhor este ponto.
Suponhamos que você se encontre certa noite em
sua casa e entre alguém dizendo que o chefe da estação da estrada de ferro
acaba de morrer esmagado por um trem. Acontece, porém, que esse indivíduo que
lhe traz a notícia há muito tempo é tido em toda a vizinhança como um grande
mentiroso. Você acreditaria nele, ou se esforçaria para acreditar nele?
- Decerto que não! - você me responderá
prontamente.
- E por que não?
- Porque eu o conheço bem demais para saber que
é um mentiroso.
- Mas, - pergunto - como é que você sabe que não
crê no que ele disse? Será que para isso você precisou examinar sua fé?
- Não; é porque sei que o homem que me dá a
notícia não é digno de confiança.
Pouco depois entra um outro indivíduo e diz:
- O chefe da estação foi hoje atropelado por um
trem e ficou esmagado.
Após ele sair, escuto você dizer prudentemente:
- Agora estou quase crendo que seja verdade,
pois conheço este homem desde pequeno e pelo que me lembre, só me enganou uma vez.
- Ora, - pergunto eu de novo, - será que desta
vez você sabe que quase crê por ter examinado sua própria fé?
- Não; é porque tenho em conta o caráter de quem
me dá a notícia.
Este homem acaba de sair de sua casa e entra um
terceiro. Este, que é um amigo que lhe inspira a mais absoluta confiança, não
faz mais do que confirmar a notícia. Desta vez então você diz:
- Agora é que creio, João; por ser você quem
está me afirmando isto, eu posso crer.
Insisto ainda na minha pergunta, que como você
há de recordar, é apenas um eco da sua:
- Como é que você pode SABER agora que crê tão
positivamente no que disse o seu amigo?
- É porque conheço bem a pessoa e o caráter dela
- você me responde. - Nunca, em toda a sua vida, me enganou, e não a julgo
capaz de fazê-lo.
Pois bem, é justamente por esta razão que eu
também sei que creio no Evangelho: é por ele me ser mandado pelo próprio Deus.
O apóstolo João diz: "Se recebemos o testemunho dos homens, o TESTEMUNHO
DE DEUS é maior; porque o testemunho de Deus é este, que de Seu Filho
testificou... quem a Deus não crê mentiroso O fez: PORQUANTO NÃO CREU NO
TESTEMUNHO que Deus de Seu Filho deu" (1 Jo 5.9,10). E Paulo diz:
"Creu Abraão a Deus, e isso lhe foi imputado como justiça" (Rm 4.3).
Em certa ocasião uma pessoa ansiosa pela
salvação disse a um servo de Deus:
- Ah! senhor, eu não posso crer! -, ao que lhe
respondeu o pregador com muito acerto:
- É verdade?... E em QUEM você não pode crer? -
Esta simples pergunto foi suficiente para lhe abrir os olhos. Até ali tinha
pensado que a fé era alguma coisa misteriosa que deveria sentir dentro de si, e
que sem senti-la não poderia ter certeza da sua salvação. Mas afinal a fé do
crente faz com que ele olhe, não para si mesmo, mas, ao contrário, para Cristo
e para a Sua obra consumada no Calvário, e o leve a aceitar confiadamente o
testemunho que um Deus fiel dá acerca de ambos e assim alcança a paz. Quando
uma pessoa se volta para o sol, a sua sombra fica para trás; assim também
quando nos voltamos para Cristo glorificado no céu, não mais nos preocupamos
conosco.
Fica pois demonstrado que a bendita PESSOA do
Filho de Deus ganha a nossa confiança; a Sua OBRA CONSUMADA nos dá segurança
eterna; e a PALAVRA de Deus, acerca de todo o que nEle crê, nos dá a certeza
inalterável de tal segurança. Encontramos em Cristo e na Sua obra o caminho da
Salvação; e na Palavra de Deus o conhecimento da Salvação.
- Mas - dirá talvez o leitor, - se tenho a vida
eterna, como é que tenho sentimentos tão inconstantes, perdendo com frequência
toda a minha alegria e consolação, achando-me sem paz e quase tão triste como
antes de ter sido convertido?
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